Os latinos chamavam Genius ao deus a que todo homem é confiado sob tutela na hora do nascimento. Os presentes e os banquetes com que festejamos os aniversários são uma lembrança das festas e dos sacrifícios que as famílias romanas ofereciam ao Genius no aniversário de seus membros. Genius era, de algum modo, a divinização da pessoa, o princípio que rege e exprime a sua existência inteira. E dado que esse deus é, de certa forma, o mais íntimo e próprio, é necessário aplacá-lo e tê-lo bem favorável sob todos os aspectos e em todos os momentos da vida. É preciso ser condescendente com Genius e abandonar-se a ele; a Genius devemos conceder tudo o que nos pede, pois sua exigência é nossa exigência; sua felicidade, nossa felicidade. Mesmo que pareçam caprichosas, convém aceitar suas pretensões. Se, para escrever, tendes necessidade do papel amarelinho, da caneta especial, da luz fraca que desce da esquerda, é inútil dizer que qualquer caneta cumpre a tarefa, ou qualquer papel, ou qualquer luz. Se não vale a pena viver sem a camisa de linho azul, se não parece possível continuar vivendo sem os cigarros envoltos em papel preto, de nada serve ficar repetindo que são simples manias, que seria hora de criar juízo. Fraudar o próprio gênio significa ludibriar a si mesmo. E genial é a vida que distancia da morte o olhar e responde sem hesitação ao impulso do gênio que o gerou. O Genius é uma zona de não-conhecimento, é essa presença inaproximável que impede que nos fechemos em uma identidade substancial. Genius é essa parte de nós que sobrevive para sempre imatura, infinitamente adolescente. Toda tentativa de Eu, do elemento pessoal, de se apropriar de Genius, de obrigá-lo a assinar seu nome, está destinada a fracassar. Há uma ética das relações com Genius que define a classe de cada ser.
Giorgio Agamben. "Genius". Profanações. Boitempo, 2007. p. 17-20.
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