sexta-feira, 19 de fevereiro de 2021

Ficção, passatempo


1) Quando fala sobre o "conceito de ficção", fica muito claro que o principal oponente singularizado por Saer é Umberto Eco, especialmente O nome da rosa (lançado no mesmo ano, 1980, daquele que talvez seja o melhor romance de Saer, Nadie nada nunca): para Saer, Eco apresenta uma interpretação da história (do passado, de sua sobrevivência e recorrência) ingênua, desprovida de carga crítica (o romance deslizaria por uma série de analogias superficiais, do romance policial à Idade Média, passando por evocações de Proust e Borges, fazendo da literatura, escreve Saer, "un pasatiempo fugitivo que no dejará ninguna huella"). 

2) Saer insiste nesse ponto em vários outros de seus ensaios: a literatura deve deixar marcas, deve ser trabalhosa, desconfortável, distanciada do senso comum e da naturalidade das estratégias comunicativas do cotidiano (e nisso está um ponto de contato muito produtivo entre Saer e Puig, que Ricardo Piglia explora em seu seminário/livro Las tres vanguardias, pois Puig ataca do interior esse discurso midiático que Saer denuncia do exterior). Ao exemplo submisso de Eco (que se submeteria à lógica do mercado e às facilidades midiáticas), Saer contrapõe o exemplo de Cervantes - posicionando o Quixote ao lado do Tristram Shandy e de Madame Bovary como ficções que querem ser "tomadas ao pé da letra", nem essencialmente ligadas ao contexto histórico, nem acriticamente ligadas a um espaço imaginativo feito de analogias superficiais.

3) Outro elemento fundamental na argumentação de Saer contra Eco é o uso de Proust: uma "falsificación notoria de Eco", escreve Saer, "es atribuir a Proust un interés desmedido por los folletines". Para Saer, esse desvio utilizado por Eco - levar Proust em direção ao folhetim - é um "recurso teatral" que visa dar legitimidade ao seu próprio trabalho (ao encontrar o folhetim na Recherche, Eco cria seu próprio precursor: busca convencer sua audiência que o apelo popular já está em Proust e, consequentemente, pode estar também em O nome da rosa). O folhetim é apenas uma cortina de fumaça: "Es detrás de la Recherche que Eco pretende ampararse, no del supuesto gusto de Proust por los folletines".   

Um comentário:

  1. Achei tão curioso por não conseguir conceber como se consegue ir tão longe na análise literária desta forma
    Sempre achei uma perda de tempo e uma especulação brutal
    Talvez por isso gostei do blogue
    😊

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