1) Eis aqui, finalmente, o joalheiro de Leskov: o velho Wenzel, visionário, aquele que tem acesso à natureza através das pedras, que sente a vibração imemorial das profundezas da terra na superfície e no brilho das pedras preciosas (como Heidegger escrevendo Ser e tempo em uma cabana perdida na Floresta Negra, sentindo as mesmas reverberações arcaicas no posicionamento do ser como ser-com, na ligação com o insondável). O velho Wenzel vê na pedra a imagem portátil do "fogo denso e inextinguível da montanha tcheca"; ela está viva, escreve Leskov.
2) A pedra se escondia, "um rei tcheco que sabia como fugir de ignorantes", fala o joalheiro, "diante dos olhos deles, transvestiu-se de limpa-chaminés. Sim, sim, eu o vi; eu vi o mascate judeu levando-o no bolso, e era por ele que o mascate escolhia outras pedras". Nesse ponto, Leskov acrescenta uma nota de rodapé ao seu relato: "Quando examinamos longamente pedras de uma única cor", escreve Leskov, "o olho 'emburrece' e perde a capacidade de distinguir as melhores cores das piores. Para restabelecer essa capacidade", continua Leskov, "os compradores de pedras levam consigo um regulador, ou seja, uma pedra cuja cor já lhes é conhecida pela qualidade. Ao compará-la com outra, ele logo vê a diferença de brilho e pode avaliar com correção o seu valor".
3) Na intervenção de Leskov, a pedra aparece como instrumento crítico: é ela, com sua natureza superior, que dá a possibilidade de se estabelecer uma escala, uma perspectiva, uma linha de fuga para a avaliação. O piropo tcheco era usado pelo "mascate judeu" (que o velho Wenzel consegue enxergar não se sabe onde, não se sabe como) como um modelo, um gabarito, uma matriz - a obra-prima que lhe permitia colocar todo o resto, tudo o que encontrava pelo caminho, em perspectiva (como Jesus Cristo na cruz).
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