1) O gigante era o exército russo, escreve Sándor Márai em Libertação, e continua: a engrenagem da grande máquina se compunha dos canhões, dos órgãos de Stálin, dos aviões, dos lança-minas, das metralhadoras do exército ucraniano (tradução de Paulo Schiller, Companhia das Letras, 2009, p. 36). Órgãos de Stálin? Os rins de Stálin, a bexiga de Stálin? A expressão chamou minha atenção primeiro pela quebra na lógica da enumeração e, segundo, por me lembrar de um livro de Gert Ledig (1921-1999) intitulado justamente Die Stalinorgel.
2) O "órgão de Stálin" é um Katyusha, um lançador de foguetes portátil transportado em um caminhão. A profundeza e amplitude de um termo ou expressão não cansam de impressionar. O apelido do Katyusha foi dado pelos alemães - Stalinorgel: os tubos do maquinário lembravam os segmentos dos órgãos utilizados nas igrejas. A ironia de uma imagem-dialética: une-se o silêncio e a sacralidade das igrejas ao caos ensurdecedor das trincheiras a partir de um significante compartilhado: órgão. Uma dissonância abrupta, desconfortável. E mais: indiretamente, se coloca também o corpo em cena - um corpo repleto de órgãos -, última partícula de resistência diante da máquina de guerra.
3) Michael Hofmann, que traduziu Die Stalinorgel - o livro de Gert Ledig - para o inglês, afirma no prefácio que a obra é a resposta de Ledig ao livro de Ernst Jünger sobre a I Guerra Mundial, Tempestades de aço (de 1920). Hofmann traduziu também esse livro de Jünger ao inglês (além de obras de Herta Müller, Joseph Roth e Thomas Bernhard). Aquilo que em Jünger era exaltação da coragem (e da capacidade da guerra de forjar um caráter forte) transforma-se, em Ledig, na gratuidade e no absurdo da violência - não há engrandecimento da alma na provação, como queria Jünger, apenas destruição do corpo, destruição de um corpo repleto de órgãos.
2) O "órgão de Stálin" é um Katyusha, um lançador de foguetes portátil transportado em um caminhão. A profundeza e amplitude de um termo ou expressão não cansam de impressionar. O apelido do Katyusha foi dado pelos alemães - Stalinorgel: os tubos do maquinário lembravam os segmentos dos órgãos utilizados nas igrejas. A ironia de uma imagem-dialética: une-se o silêncio e a sacralidade das igrejas ao caos ensurdecedor das trincheiras a partir de um significante compartilhado: órgão. Uma dissonância abrupta, desconfortável. E mais: indiretamente, se coloca também o corpo em cena - um corpo repleto de órgãos -, última partícula de resistência diante da máquina de guerra.
3) Michael Hofmann, que traduziu Die Stalinorgel - o livro de Gert Ledig - para o inglês, afirma no prefácio que a obra é a resposta de Ledig ao livro de Ernst Jünger sobre a I Guerra Mundial, Tempestades de aço (de 1920). Hofmann traduziu também esse livro de Jünger ao inglês (além de obras de Herta Müller, Joseph Roth e Thomas Bernhard). Aquilo que em Jünger era exaltação da coragem (e da capacidade da guerra de forjar um caráter forte) transforma-se, em Ledig, na gratuidade e no absurdo da violência - não há engrandecimento da alma na provação, como queria Jünger, apenas destruição do corpo, destruição de um corpo repleto de órgãos.
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