1) Durante toda leitura de Correr, de Jean Echenoz, eu insisti comigo mesmo que a história do corredor Emil Zatopek era também a história de um escritor, talvez até o próprio escritor Jean Echenoz. Trata-se, sem dúvida, de uma fábula sobre a relação da contingência com a expressão - e todas as voltas que determinada pulsão criativa, em um momento específico da história, precisa dar para findar-se em obra. Por isso é possível dizer que o fim da arte não é a obra, e sim a liberdade.
2) De qualquer forma, Echenoz, esse escritor francês tão celebrado por Vila-Matas e tão escamoteado por aqui, conta a história de Emil, fundista campeão mundial, atleta que começou sua trajetória em plena Tchecoslováquia comunista pós-segunda-guerra-mundial. Toda a movimentação totalitária está lá: a vigilância, as negações absurdas, os seguranças nas viagens ao exterior, o racionamento, as justificativas fantasiosas, mas Emil segue sorrindo e correndo. De reles funcionário de chão de fábrica passa ao Exército, e daí para a medalha de ouro nas Olimpíadas.
3) Echenoz insiste na estranheza das passadas de Emil, seu esforço, seu rosto vermelho, a ponto de explodir - "um estilo impossível", escreve o narrador. Emil é uma espécie de Forrest Gump do Leste Europeu, um artista do corpo, alguém que faz o que faz pelo simples ato de fazer o que faz. Não há nada de determinado, padronizado no estilo de Emil - ao contrário, é o treinamento convencional que se adapta ao método errático de Emil. Tanto é que Emil passa a ensinar os iniciantes quando fica mais velho.
4) O curioso é que ao longo de todo o livro há o conflito de duas forças opostas: o regime comunista que vigia Emil de perto, controlando suas viagens e impondo funções burocráticas para mantê-lo sob vigilância, e a esfera do esporte, que acolhe a potência criativa de seu estilo com entusiasmo. É evidente que, no fim, a primeira força, descomunal e monstruosa, vence. Ainda mais curioso é o fato do terror totalitário continuar surpreendendo, como se estivesse no auge de seu frescor, como se o passado continuasse passando.
5) O narrador o chama de "o meigo Emil". Talvez seja exatamente isso que o faça atravessar a história e alcançar a ficção. Como Forrest Gump, que proporciona uma suma da história da segunda metade do século XX com sua trajetória aleatória. Correr é como um novo livro de Bohumil Hrabal, por conta de sua linguagem jocosa, como se estivesse sempre um pouco bêbada, fazendo pouco caso de si e dos outros. Correr é como um novo livro de Hrabal por conta de seu protagonista adorável, deslocado e esquisito. Emil Zatopek é parente de Ditie, o garçom alucinado de Eu servi o rei da Inglaterra, de Hrabal. Emil é parente de Andreas e Eduard Scham, os arquivistas sonhadores de Jardim, Cinzas, de Danilo Kis. Emil é parente de Pronek, o personagem de Aleksandar Hemon. Emil é aquele tio que visitamos no fim da tarde, tomando chá da varanda.
2) De qualquer forma, Echenoz, esse escritor francês tão celebrado por Vila-Matas e tão escamoteado por aqui, conta a história de Emil, fundista campeão mundial, atleta que começou sua trajetória em plena Tchecoslováquia comunista pós-segunda-guerra-mundial. Toda a movimentação totalitária está lá: a vigilância, as negações absurdas, os seguranças nas viagens ao exterior, o racionamento, as justificativas fantasiosas, mas Emil segue sorrindo e correndo. De reles funcionário de chão de fábrica passa ao Exército, e daí para a medalha de ouro nas Olimpíadas.
3) Echenoz insiste na estranheza das passadas de Emil, seu esforço, seu rosto vermelho, a ponto de explodir - "um estilo impossível", escreve o narrador. Emil é uma espécie de Forrest Gump do Leste Europeu, um artista do corpo, alguém que faz o que faz pelo simples ato de fazer o que faz. Não há nada de determinado, padronizado no estilo de Emil - ao contrário, é o treinamento convencional que se adapta ao método errático de Emil. Tanto é que Emil passa a ensinar os iniciantes quando fica mais velho.
4) O curioso é que ao longo de todo o livro há o conflito de duas forças opostas: o regime comunista que vigia Emil de perto, controlando suas viagens e impondo funções burocráticas para mantê-lo sob vigilância, e a esfera do esporte, que acolhe a potência criativa de seu estilo com entusiasmo. É evidente que, no fim, a primeira força, descomunal e monstruosa, vence. Ainda mais curioso é o fato do terror totalitário continuar surpreendendo, como se estivesse no auge de seu frescor, como se o passado continuasse passando.
5) O narrador o chama de "o meigo Emil". Talvez seja exatamente isso que o faça atravessar a história e alcançar a ficção. Como Forrest Gump, que proporciona uma suma da história da segunda metade do século XX com sua trajetória aleatória. Correr é como um novo livro de Bohumil Hrabal, por conta de sua linguagem jocosa, como se estivesse sempre um pouco bêbada, fazendo pouco caso de si e dos outros. Correr é como um novo livro de Hrabal por conta de seu protagonista adorável, deslocado e esquisito. Emil Zatopek é parente de Ditie, o garçom alucinado de Eu servi o rei da Inglaterra, de Hrabal. Emil é parente de Andreas e Eduard Scham, os arquivistas sonhadores de Jardim, Cinzas, de Danilo Kis. Emil é parente de Pronek, o personagem de Aleksandar Hemon. Emil é aquele tio que visitamos no fim da tarde, tomando chá da varanda.
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