terça-feira, 18 de janeiro de 2011

A escola toda ia ao cinema

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A escola toda ia ao cinema e, enquanto aguardávamos impacientes para atravessar a rua, uma garota magra de cabelos escuros e um longo rabo-de-cavalo, bem mais velha do que qualquer um de nós, atravessou correndo a rua e, em seguida a uma freada ensurdecedora, foi atropelada por um reluzente Volkswagen vermelho. Ela foi atirada no ar, como uma bola que saltasse, levitou durante uma piscadela dos nossos olhos perplexos, então desceu com um baque surdo. Houve um instante de silêncio, então, um menino de paletó azul-marinho começou a gritar. Nós fomos afastados às pressas e, pouco depois, aos pares, segurando as mãos trêmulas um do outro, cantamos uma música que o nosso professor mandou: Com o Camarada Tito, filho destemido do povo, nem mesmo o inferno nos deterá... No cinema, vimos Branca de Neve e os sete anões, e podia ouvir o menino soluçar o tempo todo.
Na volta, tudo estava normal no cruzamento - a garota e o carro haviam sumido. Exceto que, próximo à calçada, entre as bolas de sujeira e poças de óleo queimado de motor, havia um tênis, muito azul, com a sola virada para cima e um chiclete cor-de-rosa grudado no calcanhar. Quando voltei para casa depois da escola, chovia.

Aleksandar Hemon, "Imitação da vida", E o Bruno?, p. 212.
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