quinta-feira, 27 de janeiro de 2011

Fantasmas

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1) Muitos acreditam que Shakespeare interpretava o Fantasma nas apresentações de Hamlet. Não apenas o Fantasma, mas muitos outros personagens, em muitas outras peças. Alguns estudiosos observaram as características de alguns personagens que nunca dividem o palco para concluir, disso, que Shakespeare interpretava ambos. Eu estava para escrever alguns personagens que nunca se encontram no palco, e me dei conta que poderia soar como uma ausência, ou seja, personagens que nunca aparecem, invisíveis. E no fim das contas talvez seja justamente isso: a escritura como o trajeto de um apagamento radical.
2) Shakespeare, de qualquer forma, já é um fantasma distante, e sua versão para o enigma do aparecimento/desaparecimento na ficção ganha uma feição muito particular por ser destinada ao teatro - e talvez tenha sido Pirandello o responsável por uma atualização dessa vertigem, desdobrando também para fora da escrita para teatro. É impossível encontrar outro momento, que não o teatro, em que o autor está mais verdadeiramente presente. O curioso é que não vale de nada, porque não são suas habilidades como escritor que são importantes nesse momento do aparecimento no palco.
3) O que pode haver de mais competente do que a alternância de registros e a forma com que Coetzee ficcionaliza sua morte em Verão? E, no entanto, quando aparece em público, Coetzee se limita a ler trechos de livros futuros e não esboçar qualquer reação diante de piadas hilariantes. Quando não está escrevendo, não faz nada de relevante. É só um sujeito esquisito com um quadro escrito em latim pendurado na parede e uma medalha escrita Nobel dentro de um estojo carmesim. É assim que pensa também Nathan Zuckerman, solitário e sem próstata, isolado em sua casa nas montanhas. Ele é o Fantasma que sai de cena toda vez que se solicita algo além da escritura. Para Zuckerman, no fim da vida, não há nada além da escritura.

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