sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Cavaleiros inexistentes

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1) O místico alcança através de uma série de exercícios e práticas a experiência de Deus, e ali se apaga, e apagado, narra. Normalmente, não há fim possível para essa experiência - ela se espalha pelos tempos, aglutinada pela escritura, em uma massa de sentido provisório. Essa operação está em funcionamento tanto em Walser quanto em Kafka, especialmente na leitura que Benjamin faz deles. Está também no Céline de De castelo em castelo, em que a série de exercícios místicos leva à abjeção e não ao apogeu. Um grau zero da sordidez, com direito a glossário. A imagem de Macedonio Fernández abandonando seus papéis ao deixar mais um quarto de hotel também pode contribuir para a série.
2) Sebald busca o apagamento através da melancolia, dizem, mas é uma melancolia ativa - ainda que nunca tenha saído do quarto que ocupou quando doente, ele, mesmo assim, segue caminhando, fuçando velhos cadernos e caixotes com fotos emboloradas. Talvez seja por isso que sua obra pareça sempre o mesmo livro, interminável e infatigável, sempre em seu ritmo atemporal, místico, rumo ao nada. Talvez por isso a força das fotos, que afirmam justamente o contrário - ou seja, a permanência, o desconforto do tempo e da memória. Sebald é como o cavaleiro inexistente de Calvino: se você olha de perto, não há nada; é preciso seguir o percurso, atentar para sua cartografia errática, observar a conjunção e não o ponto final.
3) Coetzee complica irremediavelmente a questão. Não há qualquer excesso em seu procedimento. Tudo é calculado, equilibrado, examinado diante do espelho, testado em suas variações. Coetzee confere cada fissura de sua armadura e, conforme dita a ética que construiu para si próprio, redige um inventário dessas fissuras e repassa, o relatório com antecedência, a seu adversário. Ele sabe que, dentro desse procedimento, quanto mais aparecer, mais estará encoberto - apagado para narrar e para fazê-lo com perfeição. Isso está em Verão e, principalmente, no jogo com o pai em Dusklands.
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