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Estendi a mão para a moça, cumprimentei-a e depois, ora numa profunda tristeza, ora reanimado, caminhei ao longo da margem solitária do rio durante a noite toda. Só depois de muito tempo percebi que nevava, a neblina cedera e a Lua, com sua face cadavérica, fitava a cidade através da nevasca. Se soubesse de um trem saindo da estação, partiria sem pensar.Gyula Krúdy, O companheiro de viagem, p. 53.
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Ricardo Piglia já disse algumas vezes que o escritor serve para dizer bem, e talvez para dizer de outro modo, ainda que brevemente. Lendo o livro de Krúdy, encontrei essa Lua que não conhecia, ou que conhecia apenas inconscientemente, não querendo assimilar completamente esse aspecto cadavérico que a Lua pode assumir. Essa face descarnada ajuda Krúdy em seu relato, dando a medida do desalento do protagonista - a Lua agora é mais do que um signo da melancolia, é um retrato da morte, a morte impassível, que olha os homens de cima, com o tempo a seu favor. São raros esses escritores, como Krúdy, que conseguem semear impurezas no mundo, na realidade - a partir de agora, toda Lua mostrará um pouco de sua face cadavérica, com suas reentrâncias cinzentas, sua ossada irregular.
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Em Austerlitz, Sebald fala sobre a selenografia, que é justamente o estudo da superfície da Lua. Sebald cita mapas lunares antigos, alguns célebres, realizados por estudiosos como Cassini, Tobias Mayer e Jan Hevelius. Do livro deste último, Selenografia, ou a descrição da Lua, só restam quatro exemplares. Trata-se de uma resposta às ideias de Galileu Galilei sobre a Lua e sua atuação sobre a vida terrena. E o livro de Sebald é também um pouco sobre isso: as conexões misteriosas entre o ato de explorar a terra (o passado) e suas profundezas e o ato metafísico de procurar o futuro nos astros.
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