segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Leitura terapêutica

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Lujin repassou a viagem de Fogg e as memórias de Holmes em dois dias e, ao terminar, disse que não eram os livros que desejava, pois se tratava de edições incompletas. Dos outros, gostou de Ana Kariênina, em especial das páginas dedicadas às eleições do zemstvo e ao jantar encomendado por Oblonski. Almas mortas também lhe causou certa impressão, sobretudo a passagem que inesperadamente reconheceu ter sido um longo e penoso ditado tomado na infância. Além dos chamados clássicos, sua noiva lhe trouxe um bom número de romances franceses frívolos. Tudo o que pudesse divertir Lujin era bom, até mesmo aquelas histórias duvidosas que, embora algo envergonhado, ele lia com interesse. No entanto, a poesia (por exemplo, um pequeno volume de Rilke que lhe fora recomendado por um vendedor da livraria) o lançava num estado de grave perplexidade e angústia. Por iguais razões, o doutor impediu que fosse dada a Lujin qualquer obra de Dostoiévski, que, a juízo dele, exercia um efeito opressivo sobre a psique do homem contemporâneo porque, como num terrível espelho...

Vladimir Nabokov, A defesa Lujin. p. 143.
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Em algum lugar da primeira parte de O mal de Montano, Vila-Matas menciona Walter Benjamin e aquilo que ele escreveu, no ensaio sobre o narrador, sobre as capacidades terapêuticas da leitura de histórias. Benjamin menciona a criança doente na cama e a mãe ao seu lado, lendo uma história, e o embalo das palavras vai, aos poucos, induzindo a cura. Há também a cena de leitura da própria Ana Kariênina, que Ricardo Piglia salienta em O último leitor. O interessante é que essa é a única passagem de A defesa Lujin que Nabokov utiliza para falar de livros. Não há qualquer consideração acerca de livros existentes, e digo "livros existentes" porque algumas menções são feitas aos livros do pai de Lujin, ou "Lujin pai", que era um escritor de livros infanto-juvenis escorraçado pela Revolução. Em Doutor Pasavento, de Vila-Matas, o protagonista também se envolve em uma leitura terapêutica, uma leitura que, aliás, percorre toda a peregrinação um pouco surrealista do livro. Antes de partir, ele coloca na mala Fuga sem fim, de Joseph Roth, e frequentemente volta a ele.
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