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O centro de Glosa – o livro de Juan José Saer que flui como um passeio pela rua e como uma conversa entre velhos amigos – é a cápsula de cianureto que Ángel Leto leva no interior oco de um dente. Essa cápsula é, para Leto, um talismã, a evidência da derradeira escolha possível – uma escolha em direção ao Nada, ao Vazio, ao Abismo. O homem, livre, é dono da própria morte. Não há retorno possível diante da captura iminente: certos homens deram tanto que é melhor a morte que a tortura.
Muitos relatos contam que nada irrita mais um torturador que o suicídio. O suicídio é a fuga da lógica totalitária armada em volta do sujeito – e nada irrita mais um agente da lógica do que absurdo que lhe faz fissura. Foucault disse e Agamben repetiu: o Estado moderno trocou seu lema do fazer morrer pelo slogan do fazer viver, eis a biopolítica – coordenação e cooptação dos corpos, manutenção, desvio, o corpo é cultivado para consumir e persistir. Nada irrita mais do que um corpo que contraria a lógica e decide silenciar.
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Ler é lembrar e errar lembrando, e escrever sobre literatura é sempre apostar nesse erro tb - pois eu apostaria que a cápsula é carregada por Leto: ele, afinal, a mostra a Tomatis. Ou não? :)
ResponderExcluirSim, é isso que lembro também: Leto encurralado, usando a cápsula que havia mostrado a Tomatis. Não?
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