Já no fim de seu ensaio sobre o surrealismo, que ele define como o último instantâneo da inteligência europeia, Walter Benjamin oferece um inventário das desconfianças do surrealismo. Mais que isso: aponta que o surrealismo é uma operação da desconfiança, que circula a partir dela, e então dá alguns exemplos. Essa é a leitura privilegiada do surrealismo que apenas os alemães podem oferecer – Benjamin afirma, na abertura do ensaio, escrito em 1929, que a Alemanha estava no vale do fluxo da inteligência europeia, ao contrário dos franceses, que estavam na fonte. Os alemães, portanto, podiam observar o fluxo em sua completude.
A desconfiança surrealista estava voltada ao destino da literatura, ao destino da liberdade, ao destino da possibilidade de convivência, ao destino da humanidade europeia. E Benjamin termina o parágrafo avisando que havia “confiança ilimitada apenas na I.G. Farben e no aperfeiçoamento pacífico da Força Aérea”. Benjamin, portanto, em 1929, ao falar do surrealismo, fala de uma percepção privilegiada alemã e exalta o conglomerado industrial da I.G. Farben.
A I.G. Farben foi uma resposta da Alemanha ao mundo depois de sua derrota na Primeira Guerra Mundial. Reunia as maiores indústrias do país, entre elas a BASF e a Bayer, e anunciava-se, em 1925, quando foi criada (ou posta a público), como o mais acabado esforço alemão. O complexo de Auschwitz, os fornos, as câmaras e todo o aparato industrial, foi um desdobramento da I.G. Farben, que cedeu seu espaço e sua tecnologia para o estabelecimento dos campos de extermínio. A I.G. Farben também detinha a patente do gás Zyklon B, usado nas câmaras para assassinar os judeus.
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