quarta-feira, 16 de junho de 2010

César Aira e o Bloomsday

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Fevereiro de 1992. César Aira escreve Diário da hepatite. Publica no ano seguinte por um selo editorial pequeno, bajo la luna.

Aira trabalha a partir do silêncio, ou a partir da possibilidade do silêncio, a partir de Bartleby, Rimbaud, Beckett – a partir, também, de Bartleby e companhia. Parménides, outro livro de Aira, é um livro sobre a eterna procrastinação que pode se abater sobre a realização de um livro.

Aira declarou que, durante uma época, fins dos anos 1980, só abria a boca para falar sobre o Procedimento: a função do artista não era criar obras e sim criar procedimentos para que as obras se fizessem sozinhas. Coisas que soavam bem mas que não tinham muito sentido, continua Aira.

Dizia para mostrar-se interessante, como Vila-Matas vestido de preto em Paris na década de 1970. Nunca pôs em prática nada do que falou, continuando a escrever suas novelitas como se nada (sabendo, enfim, que elas não se escreverão sozinhas) – e não se sente uma fraude por isso, afirma Aira, pois inventar uma teoria é um ato tão imaginativo, tão irresponsável quanto inventar o argumento de uma novela.


Não estou seguro acerca da superioridade do processo sobre o resultado, diz Aira. Teoricamente soa bem, mas na prática dá a impressão que essa valorização do processo, tão em moda ultimamente, corre o perigo do umbiguismo e do narcisismo. Ou talvez o perigo de terminar girando sobre si mesmo em uma estúpida enfatuação. Creio que nem sempre escapei desse perigo, finaliza Aira.


Abaixo, um trecho do Diário da hepatite no qual Aira menciona Joyce e o Ulisses.





Voltar a escrever, eu? Jamais.


A sincronização. Isso é o pior. Sincronizar o trabalho de escrever com o escrito... As palavras com seu significado, o sentido com o sentido.


Vê-las com o tempo, com o tempo que está feita nossa vida, é pavoroso. Mas dois tempos! Isso supera todo incômodo imaginável. (E, no entanto, há gente que gosta, gente que gostaria, horror dos horrores, de ter sido Joyce, ter escrito o Ulisses, estar escrevendo-o... E é isso que fazem, pobres infelizes.)




O Ulisses, alguém deveria dizer, é nada. Nada em absoluto. O tempo que leva! É horrendo. O tempo que tomou de Joyce... É como uma ameaça: a profissão de romancista. Isso pode acontecer a qualquer um.


“Hoje trabalhei bem...” “Naquele tempo estava escrevendo meu romance...” “Fui a uma cabana na montanha para escrever...” “Às tardes escrevo no Select...”


Nunca mais cairei nisso! Por sorte isso ficou para trás. Não tanto por preguiça como por respeito ao próximo, para não torná-lo vítima desse narcisismo sem limites.

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3 comentários:

  1. Caro Sobrinho, este Autor, Aira, é ficionista - logo, também mente. :)

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. (Excluí acima para concertar uma acento, mas ficou feio, parece que me censurei. Vamos lá:)

    Ô se mente. Pior quando diz "não tanto por preguiça como por respeito ao próximo", como se não soubesse que o próximo está andando e c*, e só vai ler sua obra se tiver alguma razão bem egoista (epa, há razões altruístas na literatura???) para tanto, nem que seja a de dizer na mesa do bar, ou nos comentários de um blog, "Eu li Finnegans Wake".

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