terça-feira, 22 de junho de 2010

Borges, Groussac e os livros aos montões

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Em julho de 1929, Jorge Luis Borges publica na Revista Nosotros um breve comentário acerca de Paul Groussac. O responsável pela seção “Letras argentinas” da Nosotros era Álvaro Lafinur, filho do poeta Juan Crisóstomo Lafinur e primo de Borges – Nosotros era o grande veículo da intelectualidade argentina nas primeiras décadas do século XX. Borges tinha 30 anos e já contava dez volumes de Groussac em sua biblioteca. É assim que ele começa o ensaio: “Verifiquei em minha biblioteca dez tomos de Groussac”. Groussac (1848-1929) era francês e foi para a Argentina com menos de 20 anos. Trabalhou no campo, cuidando dos animais e acordando antes do sol nascer (trabalhou com gado em San Antonio de Areco). Em 1883 voltou para a França. No ano seguinte retorna a Buenos Aires e nunca mais sai. Foi diretor da Biblioteca Nacional, assim como Borges. Compartilharam também a cegueira. É por isso que Borges escreveu, no poema dos dons, Qual de nós dois escreve este poema / Groussac ou Borges – exatamente 30 anos depois do texto sobre Groussac, em um volume de poesias de 1959 em edição particular (mais tarde incluído em El hacedor).



O que importa dizer é que, a partir de uma breve olhada na estante, Borges desenvolve uma ética da leitura. “Sou um leitor hedônico”, escreve ele, e enfileira uma série de três diretrizes: 1) jamais consentir que o senso do dever intervenha sobre uma atividade tão pessoal quanto a aquisição de livros; 2) não se aventurar duas vezes com autor intratável, eliminando um livro anterior com um livro novo; 3) não comprar livros em grande quantidade.

Eu não tenho a mesma sorte. Ao lado dos muito queridos Coetzee, Bolaño e Houellebecq estão os intragáveis Bosi, Milton Hatoum e Luiz Antonio de Assis Brasil (culpa do senso do dever ou das momentâneas exigências acadêmicas). E quantas vezes eu já não repisei a obra de (supostos) intratáveis pensando que nesse novo livro ele vai dar um jeito – e essa categoria é tão vasta que abarca Paul Auster, Bernardo Carvalho, Thomas Pynchon, Onetti, etc. Difícil saber o que Borges tinha em mente quando menciona a compra de livros en montón. Talvez a compra indistinta, só pelo preço ou pelo nome do autor, ou porque alguém disse que deveria, sem a devida atenção com a capa, o projeto gráfico, a tradução, a edição, a origem – esses elementos tão caros ao leitor hedônico que era Borges.

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