quinta-feira, 27 de maio de 2010

Paul Auster e a imagem

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A imagem é um sintoma – flutua e resiste a ser capturada, condensando em si os recalques do tempo histórico que ela capturou. A imagem é um pacto com a morte – testemunha um impossível que é sempre reiterado. A imagem sempre diz muito mais do que pretende aquele que a produz – ou aquele que a captura na leitura. Quem vive em uma imagem? A imagem está aberta, o passado que ela sinaliza segue passando e segue dizendo. A imagem é uma permanente zona de desconforto, que pode ser retomada, apropriada, profanada – girar em falso. A imagem é lida quando escapa da tautologia – quando é possível retirar dela mais do que aquilo que ela mostra.

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Há sempre uma imagem escorregadia nos livros de Paul Auster. Em O livro das ilusões, o narrador só encontra conforto para a morte da mulher e dos filhos assistindo um filme mudo de comédia. O ator deste filme e sua aparição sempre rara tornam-se, por fim, uma obsessão, um signo da cura impossível. Em Leviatã o foco recai sobre a Estátua da Liberdade e suas reproduções, o homem enlouquece e se propõe a explodir todas as reproduções da Estátua da Liberdade em todas as cidades pequenas do interior dos Estados Unidos – não é à toa que o livro é dedicado a Don DeLillo, o escritor da imagem sintomática por excelência. Uma das primeiras frases de Viagens no scriptorium avisa que há uma câmera perpetuamente apontada para o protagonista. O que dizer da foto de família rasurada em A invenção da solidão, força motriz da busca do autor pelo próprio pai e da reflexão sobre o pai que ele agora é. Talvez o exemplo mais interessante esteja em O homem no escuro, em que a imagem final, presente ao longo de toda narrativa, como um fantasma, sempre anunciada nas entrelinhas, mas declarada quase com vergonha, é estranhamente contemporânea: a imagem do jovem soldado americano decapitado no Iraque em frente às câmeras.

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