O caso de Malraux é um teste da percepção de um crítico das tentações que o totalitarismo oferece ao gênio poético. Embora Malraux tenha lutado, sucessivamente aliado à esquerda e à direita, passando da Brigada Internacional para o gabinete de De Gaulle, nunca adotou um programa político consistente. Fosse qual fosse o campo a que aderisse, sempre seguiu o que existe na política de heroísmo, violência e lealdade de conjurados. Em suma, suas crenças políticas são estéticas; é a estrutura formal da ação política que atrai Malraux, não o conteúdo. A chave de toda a carreira de Malraux pode ser encontrada na observação feita por Walter Benjamin no sentido de que aqueles que fazem da política uma arte refinada sempre terminarão numa postura elitista ou totalitária - de esquerda ou de direita.
Ou então vejamos o caso de Orwell. 1984 não é uma parábola sobre o regime totalitário de Stálin, Hitler e Mao Tse-Tung. A polêmica da fábula não é unilinear. A crítica de Orwell tem a ver ao mesmo tempo com o Estado autoritário e com a sociedade capitalista de consumo, com sua ignorância de valores e suas conformidades. "Newspeak", a linguagem do pesadelo de Orwell, é tanto o jargão do materialismo dialético como a verborragia da propaganda comercial e dos mass media. A força trágica de 1984 decorre precisamente da recusa de Orwell em ver as coisas em branco e preto. A nossa própria sociedade de consumo o horrorizava. Ele notou nela germes de desumanidade quase comparáveis aos que são endêmicos no stalinismo. Orwell voltou da Catalunha com uma espécie de desolada e estoica fé num socialismo humano que nem o Oriente nem o Ocidente estão preparados para adotar, a não ser em escala limitadíssima. Transformar 1984 em um panfleto da guerra fria intelectual é interpretar mal e reduzir o livro. A verdadeira alegoria da sociedade soviética na obra de Orwell é A revolução dos bichos.
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George Steiner. "O escritor e o comunismo" (1961). Linguagem e silêncio. Tradução de Gilda Stuart e Felipe Rajabally. São Paulo: Companhia das Letras, 1988, p. 305-306.
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