1) Foi na revista Critique - fundada por Bataille em 1946 -, na edição 178, março de 1962, que Foucault publicou "O 'não' do pai", Le 'non' du père, sua resenha ao livro de Jean Laplanche, lançado no ano anterior, Hölderlin e a questão do pai. Assim como não é possível entender a formação de Michon como leitor sem as revistas, não é possível entender a formação de Foucault como escritor sem considerar o mesmo processo - como visto, "A vida dos homens infames", texto seminal, saiu na Cahiers du chemin, revista que publicou também seu texto sobre Magritte, "Isto não é um cachimbo".
2) Há um ponto específico que permite a aproximação entre Michon e o Foucault de "O 'não' do pai": parte da argumentação contida nesse ensaio de Foucault sobre Hölderlin funciona como imagem especular tanto das "vidas infames" quanto das Vidas minúsculas. No meio do texto, numa de suas digressões tão exercitadas, Foucault comenta Vidas dos artistas, de Giorgio Vasari, chamando a atenção para o modo heroico e épico que Vasari escolhe para retratar suas vidas - ressaltando especialmente certo caráter predestinado dos grandes artistas (Giotto desenhando nas pedras e sendo descoberto por Cimabue; Verrocchio abandonando a pintura quando vê um desenho de Da Vinci; Ghirlandaio inclinando-se diante de Michelangelo), um registro triunfalista que será completamente estranho tanto aos "infames" quanto aos "minúsculos".
3) Mas Hölderlin também interrompe esse registro, argumenta Foucault, quando passa a pensar "a ligação entre a obra e a ausência de obra", ou seja, a loucura - daí também o uso do non du père, ou do nom du père, jogo polissêmico usado por Lacan para resgatar o Freud de Totem e tabu em seu seminário sobre as psicoses (1955-1956). O "não" do pai como ausência de obra e, consequentemente, como fuga do registro triunfalista e abertura para o efêmero, o infame e o minúsculo, aquilo que não é digno de nota (é importante que seja justamente em Critique que encontremos esse texto de Foucault, e aí voltamos ao ponto inicial: Foucault vai alcançar, na revista fundada por Bataille, uma recusa da obra triunfalista que casa perfeitamente com a noção de dépense de Bataille, ou seja, o gasto, a inutilidade, a excentricidade de uma combustão não-triunfalista, minúscula, subalterna).
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