Nathaniel Hone, The Pictorial Conjuror, displaying the Whole Art of Optical Deception |
1) O mesmo Horace Walpole que em 1764 publica O castelo de Otranto será responsável, alguns anos antes, por uma defesa de Sir Joshua Reynolds, pintor e teórico da arte que pregava a imitatio dos Antigos. Trata-se do Walpole de Anecdotes of Painting in England (que são baseadas nas notas de um amigo seu mais velho, George Vertue). Em 1775, o pintor Nathaniel Hone apresenta "O mago pictórico revelando toda a arte da impostura ótica", um ataque direto ao seu grande rival, que era justamente Reynolds. No ano anterior, numa badalada conferência na Academia, Reynolds reforçou a importância de imitar não só a natureza, mas também a obra dos Grandes Mestres. Hone, em seu quadro, mostra Reynolds numa confusão de trajes anacrônicos e reproduções que flutuam pelo ar.
2) Num texto sobre Reynolds de 1942, E. H. Gombrich faz referência a esse contexto turbulento e cita a defesa de Walpole, que escreveu: "uma citação com um novo emprego do sentido sempre foi admitida como um exemplo de talento e gosto" (Gombrich, Norma e forma, tradução de Jefferson Luiz Camargo, Martins Fontes, 1990, p. 202, nota 12). E o ponto de Gombrich está justamente nessa articulação entre "criação espontânea" e "manobras de resgate", que para ele, para o ponto de vista do historiador, funciona como uma espécie de dialética, mas que para os artistas em questão - Walpole, Reynolds, Nathaniel Hone - parece apontar para uma solução entre opostos fixos (aquele que imita não cria e vice-versa).
3) Sem o saber, Walpole marcava o ponto de partida de uma série de obras que levariam ao Retrato de Dorian Gray, de Oscar Wilde, passando também pelo Melmoth de Balzac. E é importante observar que a linha de parentesco reivindicada por Oscar Wilde não é a tradicional "PAI - FILHO", e sim aquela alternativa, apresentada muitas décadas depois por Chklóvski, do "TIO - SOBRINHO". Sim, porque foi o Melmoth do tio-avô Charles Maturin a inspiração de Wilde (e também de Balzac - mas a teoria do legado "tio-sobrinho" é de origem incerta: Ricardo Piglia, por exemplo, afirma que o criador foi Tinianov). E a postura de Walpole, ao valorizar os procedimentos de imitatio de Sir Joshua Reynolds, lança luzes anacrônicas à série de ficções (Hawthorne, Gógol, Poe, Wilde, Auster) que seu Castelo de Otranto vai irrigar.
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