1) Auerbach, ao comentar Vico, fala das "dificuldades de seu estilo" e da "atmosfera barroca de seu livro", Scienza Nuova. Isso é importante na argumentação de Auerbach porque, segundo ele, foi esse aspecto "barroco" de Vico que atrapalhou a potencial percepção de Goethe ou Herder das ideias de Vico. Como se Vico tivesse perdido a oportunidade de chegar ao romantismo alemão, que antecipava em tantos aspectos, por um triz. Mas não, por conta da "nuvem de impenetrabilidade" a Scienza Nuova terá que esperar até Croce e Nicolini, terá de esperar até o século XX, terá que esperar até James Joyce.
2) É o próprio Auerbach quem escreve: algumas das ideias básicas de Vico "parecem ter adquirido sua força integral apenas para nossa época e geração; tanto quanto sei, nenhum grande autor ficou tão impressionado com sua obra quanto James Joyce". O texto de Auerbach é de 1949. Talvez o estilo barroco que não atingiu Goethe tenha conseguido finalmente atingir alguém, atingindo James Joyce - pois é inegável que os termos utilizados por Auerbach para Vico, "dificuldades de estilo", "atmosfera barroca" e "nuvem de impenetrabilidade", podem servir também para Joyce. Richard Ellmann escreve que, "para dar forma" ao seu novo projeto - o Finnegans wake -, Joyce "reestudou Giambattista Vico". Joyce "era particularmente atraído para um emprego 'napolitano puritano' da etimologia e mitologia para revelar o significado dos acontecimentos" (James Joyce, tradução de Lya Luft, Globo, 1989, p. 683).
3) Joyce estava ligado a Vico também e evidentemente pela leitura de Homero - para Vico, Homero não era um poeta individual, mas um mito que condensava inúmeros poetas espalhados pelo tempo. E nas palavras de Auerbach, Vico "não acreditava no progresso, mas num movimento cíclico da história". Eis o Ulisses: um único dia que dá acesso a um ciclo inteiro da história, sem que ele seja imediatamente reconhecível (para que ele seja repetição mas também diferença - nas palavras de outro barroco, Deleuze).
Kelvin; aí tem um equívoco. Vico teve forte influência em uma geração de pensadores no século XIX. Infelizmente, Auerbach não contempla com o devido vagar, mas Jules Michelet não somente traduz a Ciência Nova como é percepetível a discussão sobre a sabedoria dos antigos em seu livro sobre a figura da feiticeira. Para além disso, a discussão republicana sobre o que seria o povo em um determinado momento movimenta algo da economia poética. Para ver como isto se dá resta ler no L'enseignement universel, de Joseph Jacotot para descobrir que o povo, a nação é, mais do que outra coisa, uma forma de rimar. É possível também ver o quanto a emergência das ciências da religião (tem um livro excepcional de Michel Despland sobre o tema) refletem o projeto de Vico a partir da mediação de Michelet. Se Vico não foi à Alemanha como seria de se esperar, seguramente foi à França.
ResponderExcluirOlá meu caro. Bom post (as usual), lembro que no "rumo a estação Finlândia" Edmundo Wilson, um dos primeiros leitores críticos do Joyce, dedica seu primeiro capitulo neste rastro apontado pelo "refrator" no comentário acima, pois Michelet de fato encontrou Vico.
ResponderExcluirObrigado pelos excelentes comentários, Aguinaldo e Refrator. De fato, Michelet escapa completamente da linha de sucessão armada pelo Auerbach no ensaio sobre Vico.
Excluir