Jan van Eyck, O casal Arnolfini, 1434, detalhe |
1) Blanchot escreve que "cada vez que o artista é preferido à obra, essa preferência, essa exaltação do gênio significa a degradação da arte, o recuo diante de sua potência própria". Exemplos: Mallarmé e Cézanne, que "não buscam a glória", "ambos são modestos, não voltados para eles mesmos mas para uma busca obscura". Cézanne "não exalta o pintor", escreve Blanchot, "e Van Gogh diz: não sou um artista, como é grosseiro até mesmo pensar isso de si mesmo. Digo isso para mostrar como acho tolo falar de artistas talentosos ou sem talento" (Blanchot, O livro por vir. Tradução de Leyla Perrone-Moisés, Martins Fontes, p. 287). O artista não é um indivíduo mais importante e mais visível do que os outros - pelo contrário, ele não cessa de desaparecer em sua obra (é interessante ver Coetzee, em entrevista recente, retomar essa ideia e declarar que recusa a ideia do "artista como um privilegiado capaz de dizer verdades").
2) Ainda nos rastros dos fantasmas dos sapatos de van Gogh e nas pegadas de Walser, mas agora a partir de Blanchot. É curioso que Derrida, em seu trabalho mais extenso sobre os "fantasmas" (Espectros de Marx, de 1993), abre a reflexão com um ensaio de Blanchot, "As três falas de Marx". Mas antes, ainda em La vérité en peinture, ainda que não cite Blanchot, Derrida está interessado nesse deslizamento tão blanchotiano dos fantasmas, essa disseminação da potência em diferentes registros, imagens e temporalidades - ou ainda, como se dá essa distribuição da potência, esse viver-junto da potência, para além dos nomes próprios e para além da cronologia (preocupações também de Valéry (1871-1945), contemporâneo de Walser (1878-1956).
3) Derrida recua até o quadro de Jan van Eyck, O casal Arnolfini - há um par de sapatos abandonado no canto, como que demarcando o espaço sagrado da união entre eles (uma cena que ecoa, segundo Derrida, o aviso de Deus a Moisés: tira tuas sandálias porque o local que pisas é sagrado, Êxodo, 3, 5). Derrida passa também por Jean-François Millet, pintor francês um pouco mais velho que van Gogh e que lhe sugeriu inúmeros motivos. Mas o foco do panorama está em Magritte e suas elaborações dos fantasmas dos sapatos de van Gogh - ainda a errância e o esvaziamento, mas com a adição das ciladas do desejo, do inconsciente e de sua linguagem metafórica e instável.
Magritte, A filosofia na alcova, 1947 |
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