1) Para Schapiro, van Gogh estava sempre por um fio - tudo que o ligava ao mundo era tênue e delicado, e da mesma forma funcionava a relação do artista com o mundo, com as pessoas que o cercavam, com os lugares que o acolhiam. Tudo era provisório e improvisado. A imagem dos sapatos diz respeito à errância e à inadequação, mas também diz respeito àquilo que era transitório para van Gogh - sua obra e sua vida. Nem van Gogh nem Walser pareciam preocupados com um legado, com uma herança, com o imperativo de trabalhar em direção à construção de uma Obra.
2) Van Gogh e Walser pareciam mais interessados em dar conta de um desejo que se bastasse por si, que se resolvesse em sua própria emergência. Como nessa última caminhada de Walser, como nesse último conjunto de rastros, nessa última escritura que ele deixa com o próprio corpo, com o próprio peso, na terra - traços frágeis que o vento logo cobriu. O testemunho final do corpo como uma poética do menor.
3) Os pés na terra, a sensação de mobilidade, de transposição de fronteiras - tudo isso parece funcionar de forma muito semelhante tanto para van Gogh e Walser quanto para Sebald, por exemplo. Os pés e a caminhada como signos da deambulação angustiada, da desterritorialização. É assim que entende Schapiro, contra Heidegger (Heidegger é aquele que pôde ficar, escreve Derrida). Um inestimável ponto intermediário é dado por Ernst Jünger em seu romance Nos penhascos de mármore, de 1940. Em Jünger, a ligação com a terra (e com a comunidade) surge como festa e como rito, mas por trás disso está a iminência da destruição e da dissolução desse cenário (é essa faceta ambivalente da poética de Jünger que interessa Peter Sloterdijk em Crítica da razão cínica - para Sloterdijk, Jünger é "um trabalhador fronteiriço entre o fascismo e o humanismo estoico que escapa de etiquetas fáceis").
Nenhum comentário:
Postar um comentário