1) Existe outro detalhe fundamental da dinâmica entre subjetividade e história (pessoal e coletivo, dentro e fora) que está em jogo nas reflexões de Leonardo Sciascia sobre o caso Moro: além de resgatar e reordenar toda a história do pensamento (da crítica, da filosofia, da linguagem), o envio epistolar, a troca de mensagens também expõe um vasto continente inexplorado compartilhado por todo sujeito exposto à curiosidade pública: a obra publicada geralmente é ínfima em comparação com a correspondência deixada para trás (Sciascia percebe que o caso Moro é o curto-circuito dessa regra geral, uma vez que a obra visível de Moro será para sempre a correspondência pública que ele envia do cativeiro).
2) Tal continente inexplorado é, por sua vez, um dos principais campo de atuação da investigação biográfica - são as cartas que muitas vezes permitem acompanhar os sujeitos dia a dia, semana a semana. A observação do contexto geral de uma poética certamente se transforma a partir dessa perspectiva da minúcia (em certo sentido, a dialética entre vasta correspondência e obra publicada ativa certos elementos daquilo que Carlo Ginzburg chamou de micro-história). É possível pensar, por exemplo, na correspondência de Goethe (estimada em aproximadamente vinte mil cartas escritas (a cerca de 1.700 destinatários) e 25 mil recebidas, aqui), Freud ou Benjamin, enormes conjuntos de escritos que transformam decisivamente a obra "visível", oficial e publicada.
3) A correspondência ajuda a observar como um trabalho deve ser julgado pela acumulação progressiva de suas etapas, e não tanto pelo produto final, isolado e desconectado de suas versões prévias. A questão surge com força também na poética de Joseph Cornell, que não só documenta em sua correspondência as etapas de seu trabalho (onde conseguiu material, para quem pediu, para quem presenteou, interesses do momento, técnicas utilizadas, publicações e assim por diante) mas também transforma a própria correspondência em parte do trabalho: muitas das suas cartas (e são milhares, para dezenas de destinatários) são decoradas com desenhos, recortes e montagens, e muitas das cartas recebem materiais muito semelhantes àqueles encontrados nas caixas de Cornell, ou seja, em sua obra pública, visível (como a carta de janeiro de 1963 que reitera o tema do pássaro, tão utilizado por Cornell - que se dedica ao projeto dos "aviários" por toda a década de 1940).
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