segunda-feira, 20 de abril de 2020

Waterloo

Henry Shrapnel, 1761-1842
"O escritor representa a verdade, a verdadeira literatura se distinguindo da falsa apenas pelo inefável senso da verdade. Todavia, é preciso dizer que o escritor não é, por conta disso, filósofo ou historiador, mas alguém que colhe intuitivamente a verdade. No que me diz respeito, descubro na literatura aquilo que não consigo descobrir nos analistas mais elucubrantes, que gostariam de fornecer explicações exaustivas e soluções a todos os problemas.

Sim, a história mente e as suas mentiras envolvem com uma mesma poeira todas as teorias que nascem da própria história. Paul Valéry, falando da história, uma vez disse algo do tipo: 'Vi uma carta do general inglês Shrappnel [sic], escrita cinco dias depois da batalha de Waterloo; afirma que foram os novos projéteis inventados por ele que venceram a batalha'. Pois bem, o nome de Shrappnel nós ouvimos somente depois da Primeira Guerra Mundial. Chamavam de 'shrappnel' os projéteis que explodiam a certa altura lançando uma nuvem de detritos, mas nunca ninguém havia mencionado seu uso na batalha de Waterloo.

O próprio Valéry parece ignorar, mas o seu entrevistador, o siciliano-francês Lo Duca, observa que o uso do shrappnel na batalha de Waterloo foi descrito por Stendhal. Quando Fabrizio vê no terreno a lama espirrando à altura de alguns palmos, sem saber Stendhal estava descrevendo não o efeito de uma fuzilaria mas aquele dos projéteis do general Shrappnel.

É assim que se descobre uma verdade histórica, não em um texto de história, mas nas páginas de um romance, não em uma análise erudita, mas graças a uma descrição romanceada. Stendhal provavelmente não se deu conta de estar fazendo uma revelação fundamental descrevendo a batalha de Waterloo, e ainda assim disse algo que ninguém antes dele havia dito."

(Leonardo Sciascia, La Sicilia come metafora (entrevista com Marcelle Padovani), Mondadori, 1979, p. 81-82)

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