É preciso fixar essa imagem de Ida Dalser dentro de um carro que a leva de novo ao manicômio: "O Duce tem sempre razão", é o que diz o muro, ao contrário - acompanhamos com o movimento do carro a frase andando ao contrário, a contrapelo (para dizer com Walter Benjamin), e a história que Bellocchio conta de Ida Dalser é justamente a exposição desse "ter sempre razão" (escovar a história a contrapelo é justamente o que faz Bellocchio no confronto da história oficial de Mussolini com a história lateral de Ida, e sua trajetória dentro do carro é a representação visual desse procedimento).
A história de Ida Dalser mostra que tal razão é falha, fictícia - a "razão" que está no muro é falha, porque o fascismo é tudo menos "racional"; do mesmo modo, é a "razão" de Ida que está em jogo - não há nada de "loucura" em sua trajetória, sua desrazão opera naquele campo da parresía de que fala Foucault em seus seminários (ou seja, a capacidade/coragem de dizer a verdade diante do poder, tema que Foucault apresenta de 1982 a 1984 em dois de seus seminários - Governo de si e dos outros - no Collège de France). Das muitas cenas possíveis - na perspectiva da parresía - a decisiva é aquela na qual Ida Dalser está diante da junta médica e, sem qualquer traço de hesitação ou desorientação, mais uma vez diz a verdade.
Além disso, a imagem de Ida Dalser olhando para quem a olha - olhando em direção à câmera, rompendo o pressuposto da observação desinteressada, "apolítica" e "neutra", nos termos expostos por Didi-Huberman em O que vemos, o que nos olha - mostra que ela também está de fora da "razão" cinematográfica, rompendo as regras tradicionais da quarta parede e da representação (sua trajetória dentro do carro, expondo a frase do Duce ao contrário, é também cinematográfica, como quem enrola de volta o filme da história para montá-lo e apresentá-lo de forma diversa - um gesto absolutamente deliberado da parte de Bellocchio, que preenche vários espaços da narrativa não só com imagens de arquivo de Mussolini e dos fascistas, mas também de outros filmes, como na cena em que, dentro do manicômio, Ida assiste a um filme de Chaplin e, nele, a apresentação intensificada do roubo de seu próprio filho).
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