Hans Bellmer |
"Todos os motivos para reconhecer algo como obra de arte são parciais, mas sua retórica geral é, inequivocamente, europeia. Essa retórica, como bem sabemos, era aplicada repetidamente à área do humano também. De Flaubert, Baudelaire e Dostoiévski, passando por Kierkegaard e Nietzsche, Bataille, Foucault e Deleuze, o pensamento europeu reconheceu como uma manifestação do humano muito do que, anteriormente, era considerado mau, cruel e desumano.
Assim como no caso da arte, esses autores e vários outros aceitaram como humano não somente aquilo que se revela humano, mas também aquilo que se revela desumano - e exatamente porque se revela desumano. A questão, para eles, não era incorporar, integrar ou assimilar o estrangeiro dentro do próprio mundo, mas, ao contrário, entrar no estrangeiro e tornar-se conforme a sua própria tradição. Em minha opinião, não é necessário demonstrar aqui que esses autores, assim como incontáveis outros na tradição europeia, não podem ser facilmente integrados no discurso dos direitos humanos e da democracia.
Rudolf Schwarzkogler |
No entanto, esses autores pertencem, por esse motivo, à tradição europeia, porque manifestam uma solidariedade interna com o outro, com o forasteiro, até mesmo com o ameaçador e cruel, que está muito mais fundo e nos leva mais além que um simples conceito de tolerância. A obra de todos esses autores é uma tentativa de diagnosticar, no interior da cultura europeia, as forças, os impulsos e as formas de desejo que são, em terras estrangeiras, territorializadas. Assim, esses autores mostraram que a característica verdadeiramente única das culturas europeias consiste em tornar alguém permanentemente estrangeiro ao anular, abandonar e negar esse alguém - e fazê-lo de forma mais radical que qualquer cultura que conhecemos jamais conseguiu fazer. De fato, a história da Europa é nada além da história de rupturas culturais, uma constante rejeição às tradições de alguns."
(Boris Groys, "A Europa e seus outros", Arte Poder, trad. Virgínia Starling, UFMG, 2015, p. 220-221)
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