A dinâmica afetiva de Berta Isla, o romance de Javier Marías, me fez pensar no livro de Klaus Theweleit, Objektwahl (All you need is love) Über Paarbildungsstrategien / Bruchstück einer Freudbiographie (um livro de 1990 cuja tradução aproximada poderia ser Escolha de objeto - sobre estratégias de formação de casais / Fragmento de uma biografia de Freud). A ideia de "escolha de objeto" vem de Freud e de seu texto sobre o narcisismo (de 1914): Theweleit elabora o conceito psicanalítico a partir de uma pesquisa sua bem mais extensa - seu Livro dos Reis em dois volumes - acerca do uso que homens "criativos" fazem das mulheres que escolhem como "casal" (daí a "estratégia de formação de casais").
O que está em jogo em Berta Isla é precisamente a formação de um casal: Tomás e Berta se conhecem desde crianças e muito cedo tem a consciência compartilhada de que irão casar. O ponto de Theweleit é que alguns homens escolhem mulheres que tem certas habilidades que podem ajudar em suas carreiras (os exemplos são inúmeros: Dostoiévski casando com a estenógrafa Anna Snitkina; Hitchcock casando com a roteirista e montadora Alma Reville). Marías até certo ponto retrata essa dinâmica, mas inverte decisivamente o foco de atenção: não acompanhamos as aventuras do "homem criativo" (Tomás, o marido-espião), e sim a vida restrita do outro lado do casal.
Em seu Objektwahl, é um pouco esse procedimento de inversão que busca Theweleit, ampliando-o em direção ao tema do "amor", o "amor" como estratégia retórica, construção cultural e artefato midiático (como um meio de levar algo de um lugar a outro). Duas curiosas revisões propostas por Theweleit sob essa perspectiva: com o casamento abalado por conta do caso com Hannah Arendt, Heidegger busca melhorar sua situação com a esposa - antissemita convicta e de primeira hora - ao se dedicar à expulsão de judeus das universidades; Freud, por sua vez, com a intenção de agradar a noiva/esposa (Martha Bernays) e melhor se integrar à família, cuidadosamente utiliza elementos dos campos de trabalho de dois tios de Martha (um especialista em Aristóteles - a passagem da katharsis para a psicanálise - e o outro em Goethe e Shakespeare).
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ResponderExcluirInteressante a tese do Theweleit. Nunca tinha ouvido falar (pra variar, rs)! Depois de ler o post, me ocorreram algumas cenas soltas de "Auto de fé", rs. Impossível não lembrar de Kien e Therese, rs. :D
ResponderExcluirÀ procura de alguma referência ao nome de Theweleit em meio a pilha de pdfs estocada no meu encurvado PC (rs), fui parar em “Kafka – Decisive Years”, rs. A passagem em que o Stach faz menção ao Theweleit, como não poderia ser diferente, tem muita coisa a ver com o post, Kelvin, rs. Se ligue, rs:
ResponderExcluir"[...] Why Felice Bauer? Many critics have expressed their astonishment at Kafka's decision and at the obstinacy with which he clungto her for nearly five years. Canetti, Deleuze and Guattari, Theweleit, and Baumgart all tried to come up with an explanation. They concur thatKafka "used" this woman, that he ignored her needs and wishes and imposed tasks on her that she could have fulfilled only through self-sacrifice.They speak of his cunning, manipulating, and even "vampirism." At thesame time they note, with a tinge of regret, that he wore himself outwith this simple woman who was clearly not his intellectual equal andthereby ruined his chances of establishing a more mature, satisfying relationship. In other words, he made a bad decision. With a mind as lucidas his, he ought to have chosen better. [...]"
Que interessante!
ExcluirObrigado por colar aqui, não tenho e não li essa biografia do Stach.