quinta-feira, 23 de abril de 2020

Descrição da infelicidade


Em seu livro de ensaios intitulado A descrição da infelicidade, ou seja, Die Beschreibung des Unglücks, W. G. Sebald escreve, logo no prefácio, que "é certo que autores como Grillparzer, Stifter, Hofmannsthal, Kafka e Bernhard consideram o progresso uma aposta perdida [den Fortschritt für ein Verlustgeschäft]". No entanto, continua ele, a melancolia decorrente dessa situação, "a reflexão sobre a infelicidade consumada", nada tem a ver com o "vulgar desejo de morte; é uma forma de resistência [eine Form des Widerstands]". 

Adiante, no ensaio sobre Elias Canetti, Sebald se aproxima da escritura desse autor que admirava tanto a partir da categoria de "patografia", escrita do pathos, do sofrimento, do excesso e da loucura (uma patografia, de resto, que oscila entre a apreensão da loucura alheia e o desenvolvimento de um método de representação que possa dar conta do excesso e, na medida do possível, absorvê-lo). É da ordem da patografia não só as memórias do juiz Schreber, analisadas por Canetti (e por Freud, Lacan, Deleuze e tantos outros), mas também o método de trabalho desenvolvido por Canetti para sua própria obra, especialmente Massa e poder.


Melancolia, infelicidade, narração, resistência: embora não seja central em todos os casos analisados por Sebald, a opressão política é recorrente como fio de ligação entre os termos. A narrativa armada por Marco Bellocchio ao redor do fascismo italiano (no filme Vincere, de 2009) é exemplar dessa perspectiva sebaldiana: são duas patografias apresentadas, a de Ida Dalser e de seu filho com Mussolini, Benito Albino Mussolini. Ambos são deslocados do diapasão racional tradicional pelo regime fascista e mantidos presos - a trajetória de Ida é uma constante grafia de seu pathos, de sua infelicidade, tornando-se, por conta disso, resistência (ela escreve cartas sem parar, ao Papa, ao Rei, ao Duce (até uma mensagem em uma garrafa ela manda) - em sua última cena ela parte em um carro, depois de ser exaltada por uma multidão; ela olha para quem a olha, olha diretamente para a câmera; é possível observar uma frase escrita no muro do lado de fora - Il Duce ha sempre ragione, o Duce sempre tem razão -, mas uma frase que corre de trás para frente, cacofônica, absurda).

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