A dúvida como instrumento de investigação: essa poderia ser uma definição inicial da poética de Leonardo Sciascia, ao mesmo tempo um iluminista e um tradicionalista, ao mesmo tempo um europeu (um erudito interessado no atravessamento das fronteiras) e um siciliano (interessado nas minúcias e nos detalhes da irredutível experiência regional). Três figuras parecem se mesclar em Sciascia, no que diz respeito à dúvida como instrumento de investigação: o detetive que pergunta, escuta e observa; o erudito que viaja e que vasculha arquivos; o morador da cidade pequena sentado na praça (no bar, na varanda, na janela) que observa a vida social.
A dúvida leva Sciascia a rever, por exemplo, as histórias do físico Majorana (assassinado? suicida? fugitivo por conta do assombro moral diante do resultado das pesquisas atômicas?) e do escritor Raymond Roussel (que se suicida em 1933 em Palermo). Sciascia revisita a crônica jornalística dos dois casos em busca de detalhes perdidos, perspectivas deixadas de lado na pressa. Ao mesmo tempo, carrega consigo um conjunto de procedimentos retirados de seus autores prediletos, que relia constantemente (a curiosidade de Montaigne, a capacidade de observação de Stendhal, o jogo de espelhos de Pirandello).
No final de 1912+1, por exemplo (a novela que conta a história do julgamento da condessa Tiepolo, que matou o ordenança do marido militar por supostos motivos de honra), Sciascia declara abertamente aquilo que guiou o relato desde o início: ser uma homenagem a Pirandello. “Tudo era pirandelliano no caso Tiepolo”, anuncia ele, “as várias verdades, o jogo do parecer contra o ser” (algo que se aplica a um relato de Sciascia de alguns anos antes, Il teatro della memoria, lançado em 1981, sobre o caso Bruneri-Canella - o retorno de um homem que teria desaparecido durante a I Guerra Mundial (de resto, algo muito próximo do caso Martin Guerre e do caso do coronel Chabert, de Balzac, tão extensamente utilizado por Javier Marías em Os enamoramentos)).
Nenhum comentário:
Postar um comentário