domingo, 12 de maio de 2013

Sontag e seus diários

1) Em uma das entradas de seu diário, naquela que corresponde ao sete de setembro de 1962, o ano em que morreram Faulkner e Georges Bataille (com dois dias de diferença), nesse sete de setembro, portanto, Susan Sontag escreve em seu diário algumas notas sobre a força de vontade, grande motivo de todo o seu diário, toda sua vida e todos seus escritos, e Sontag escreve que "todos os heróis de Freud são heróis da repressão", e dá os exemplos de Moisés, Dostoiévski e Leonardo - "é isso o que significa, para ele, ser heroico", completa Sontag.
2) E a anotação de Sontag continua: "Trabalho e diversão. O ego versus o corpo preguiçoso. Freud era um formidável paladino da vontade 'heroica' automutiladora. A psicanálise que ele criou é uma ciência da complacência com o corpo, com os instintos, a vida natural - na melhor hipótese" (Diários, 1947-1963, tradução de Rubens Figueiredo, Cia das Letras, 2009, p. 323). "O ego versus o corpo preguiçoso": tema cartesiano por excelência. É importante também lembrar que para Sontag, nessa época, Freud não era apenas uma referência entre outras: em 1958, Sontag se divorcia de Philip Rieff, com quem havia colaborado para a escrita de Freud: The Mind of the Moralist (em português Freud: pensamento e humanismo, tradução de Silvana Borin Mirachi, Interlivros, 1979), que foi lançado em 1959 apenas com o nome de Rieff.
3) Expressões importantes para Sontag, que de certa forma condensam todo seu desejo de saber, de saber cada vez mais, de nada considerar como alheio: "repressão", "heroico", "vontade heroica automutiladora". Persistir na leitura, na visão, na reflexão, na escritura, mesmo quando o corpo diz o contrário, ou recusa, ou fraqueja. Seus diários estão preenchidos por essa volúpia de compensar a inadequação (uma inadequação frequentemente imaginária, delirante) com força de vontade, comprometimento e disciplina. Esses detalhes devem ser articulados não apenas com as entradas dos diários e com os elementos biográficos, mas principalmente em suas repercussões na escritura crítica de Sontag - em 1963, por exemplo, no ano seguinte portanto, Sontag escreverá um ensaio sobre Lévi-Strauss com o sintomático título de "O antropólogo como heroi" (está em Contra a interpretação).    

2 comentários:

  1. Puxa, seu blog é excelente! Imagino que o melhor que já de literatura criativa

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