1) E onde estava Claude Lévi-Strauss em 1962, o ano da morte de Bataille e Faulkner, o ano em que Susan Sontag escreve sobre Freud em seu diário? Em 28 de junho de 1962, Lévi-Strauss estava em Genebra comemorando o 250º aniversário de nascimento de Jean-Jacques Rousseau. Pois bem, Sontag cita Freud em 1962; no ano seguinte, ao escrever seu ensaio sobre Lévi-Strauss, aproxima Tristres trópicos de A interpretação dos sonhos; reforça, além disso, a dívida de Lévi-Strauss com Marx (sua releitura contínua do 18 brumário, etc), dívida essa que é expressa abertamente em um parágrafo de Tristres trópicos - parágrafo esse que termina precisamente com uma referência elogiosa a Rousseau (Marx teria continuado aquilo que Rousseau havia apontado, escreve Lévi-Strauss).
2) Se o tom que Sontag reserva a Lévi-Strauss é o tom da admiração, exaltando a dimensão heroica de suas descobertas e de sua criatividade intelectual, o tom que Lévi-Strauss reserva a Rousseau é certamente análogo. Rousseau "concebeu, desejou e anunciou a etnologia, que ainda não existia, um século antes de seu surgimento", escreve Lévi-Strauss, e continua: "a dívida da etnologia para com Rousseau aumenta na medida em que, não contente em ter situado com extrema precisão uma ciência ainda por surgir, ele preparou para o etnólogo, com sua obra, o reconforto fraterno de uma imagem na qual ele mesmo pode se reconhecer e que o auxilia a melhor entender a si mesmo, não como pura inteligência contemplativa, mas como agente involuntário de uma transformação que se opera através dele".
3) A "vontade heroica automutiladora" que Sontag encontra em Freud, e que transmite não só ao seu diário mas também à sua rotina de escritora, estará também em "O antropólogo como heroi", o ensaio sobre Lévi-Strauss. E nada disso é estranho ao próprio Lévi-Strauss em sua leitura de Rousseau: "para poder se aceitar nos outros, é preciso antes recusar-se em si mesmo, e é a Rousseau que devemos a descoberta desse princípio". E é curioso que Lévi-Strauss nesse ponto coloque Rousseau contra Descartes - pois a filosofia, "partindo do Cogito", é sempre "prisioneira das pretensas provas do eu", pois "Descartes crê passar diretamente da interioridade de um homem para a exterioridade do mundo, sem ver que entre esses dois extremos", e aí entra a lição de Rousseau, "estão as sociedades, as civilizações, ou seja, mundos de homens" (Lévi-Strauss, "Jean-Jacques Rousseau, fundador das ciências do homem", Antropologia Estrutural Dois, Trad. Beatriz Perrone-Moisés, Cosac Naify, 2013, p. 45-55).
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