1) Tanto já se escreveu sobre a influência do meio sobre o humor, a produtividade, a criatividade, a arte - o sangue, os fluidos, as cores, a luz, a água, o ar, tudo em direção à plenitude ou ao esvaziamento, com todas as posições entre uma coisa e outra. Na Avenida Niévski de Gógol tudo é "úmido, plano, reto, pálido, cinzento, nebuloso", e Piscariov, o pintor, só pode contar com seus sonhos para transcender esse cenário. As ideias de Gógol ecoam naquelas que André Gide, noventa anos depois, colocará na boca da inesquecível Lady Griffith de Os moedeiros falsos:
2) "Meus pensamentos são sempre da cor de minhas roupas (ela tinha vestido um pijama púrpura laminado de prata). Lembro-me de um dia, quando era bem pequena, em São Francisco; quiseram vestir-me de preto, sob pretexto de que uma irmã de minha mãe tinha acabado de morrer; uma velha tia que eu nunca vira. Chorei o dia inteiro; estava triste, triste; imaginei que eu tinha muita mágoa, que sentia imensa falta de minha tia... só por causa do preto. Se os homens hoje são mais sérios do que as mulheres, é porque usam roupas mais escuras. Aposto que você já não tem mais as mesmas ideias de agora há pouco [ela acabou de vestir Vincent com "uma djelaba de seda verde pistache" e "duas largas echarpes cor de berinjela", uma na cintura, outra como turbante]" (André Gide. Os moedeiros falsos. Tradução de Mário Laranjeira. Estação Liberdade, 2009, p. 71).
3) O contraponto mais extremo que Gógol pôde pensar para a umidade da Avenida Niévski foi a Itália - "os pintores italianos, orgulhosos, ardentes como a Itália e o seu céu". Quem poderia reprovar sua escolha? Certamente não Goethe (a doutrina das cores, os esboços ao longo da viagem), Sterne (os relatos sentimentais) ou Warburg (os deuses, as tumbas, os espelhos); nem Napoleão (o dialeto da infância), Chatwin (sua torre na Toscana) ou Borges (lendo Dante no trem); Wilcock (a nova língua materna), Freud (as ruínas de Roma), Balzac (Tiziano, Raffaello Sanzio e Giorgione) ou Malamud (os retratos de Fidelman).
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