Um dos mapas parisienses do Atlas de Franco Moretti |
1) Ainda em seu ensaio sobre o romance, Italo Calvino escreve sobre Balzac: "é aquele que descobre a vitalidade natural, quase biológica, da grande cidade". "A Paris de Balzac", continua Calvino, "é a verdadeira cidade-selva; em nenhum de seus epígonos tardios que abusaram dessa ordem de similitudes há aquele sentido de sumos terrestres, de linfa vegetal, de cavernas ou profundidades submarinas que emana dos itinerários de Vautrin ou de Rubempré: verdadeiros homens da natureza entre seus personagens, homens e mulheres dotados de um vigor atlético nas virtudes e nos vícios, para quem toda ação e toda explosão de sentimentos parece resolver-se numa prova de saúde ou de robustez" (Assunto encerrado, p. 34).
2) O espaço em Balzac é completamente diverso daquele de Flaubert, argumenta Calvino. Para Flaubert, o espaço serve de laboratório para o artifício - por isso a oscilação de cenários: Cartago, Paris ou Caen. Balzac, por outro lado, é obcecado por Paris, sua "cidade-selva" feita de labirintos, de armadilhas e de riquezas partilhadas pelo acaso. Em seu Atlas do romance europeu, Franco Moretti mostra as deambulações dos personagens de Balzac no mapa da cidade, apontando as margens e os centros que organizam as tensões e as vivências entre os indivíduos (em Balzac, o desejo é materializado em um bairro, uma rua, uma casa - e frequentemente as trajetórias terminam no cemitério Père-Lachaise; como escreveu Bakhtin, "a capacidade de Balzac de ver o tempo no espaço era excepcional").
3) Mas a Paris de Balzac guarda ainda um pouco de sua "linfa vegetal", de seus "sumos terrestres": aquelas vielas que levam a um descampado, a uma horta ou a um bosque; vilas de camponeses maltrapilhos, bolsões de isolada quietude. Balzac ainda reserva o olhar para essas descontinuidades. Já não é assim com Baudelaire (que nasceu no mesmo ano de Flaubert, 1821), e também não será a mesma Paris que Walter Benjamin encontra em Eugène Atget. Não há "cidade-selva" em Berlin Alexanderplatz, de Döblin, por exemplo, nem na Nova York de Joseph Cornell (ficções que não aceitam nem a "linfa vegetal" nem os "sumos terrestres").
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