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A escolha de Dostoiévski por parte de Coetzee certamente não é aleatória: se a dimensão do trágico passa pelo máximo possível de dor e culpa na realidade de um só corpo, Fiódor é o homem certo.
O mestre de Petersburgo articula a angústia de Dostoiévski sempre a partir de uma oscilação: o contexto histórico turbulento (a anarquia, os complôs, os atentados) é introjetado, subjetivado pelo homem escritor; e sua dor extrema pela perda do filho é reforçada por tudo que vê (e procura ver) ao seu redor - já foi levantada a hipótese de que
O mestre de Petersburgo foi escrito como uma homenagem póstuma ao
filho que Coetzee também perdeu. Dostoiévski era ambivalente com relação à vida, com relação ao trabalho: sua epilepsia era tanto um castigo quanto uma passagem para a revelação, um transbordamento de energia; não deixava de trabalhar mesmo diante do mais alto desconforto físico ou carência material (provavelmente o melhor trabalho vinha justamente do cenário de angústia); e mesmo seu fuzilamento, suspenso no último instante, serviu para a criação: essa história é contada por vários de seus personagens, em contos e romances (como uma ferida cultivada, como um lembrete de que a vida será sempre provisória).
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Há uma outra oscilação no Mestre de Petersburgo, que é o constante conflito entre pais e filhos, que toma diversas formas, dentre elas o conflito geracional na Rússia, a nova geração se rebelando contra a antiga, contra os pais, na figura do jovem revolucionário. Se Coetzee-Dostoievski por vezes sente alguma simpatia pelo jovem niilista revolucionário, é porque o jovem faz Coetzee lembrar do fantasma do filho morto, que Coetzee-Dostoievski carrega dentro do peito. Nesse sentido, o contexto histórico deixa de ser só pano de fundo pra história e se torna outra fonte de agonia pro protagonista (que, como você disse, procura a dor o tempo todo). Incrível como realmente nada é aleatório nesse livro.
ResponderExcluirExcelente, Leo. E você tem razão: nada é aleatório. Coetzee tem uma consciência artística titânica.
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