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Há uma dimensão tão profunda do trágico na obra de Coetzee que isso basta para deixá-lo distante de qualquer outro escritor contemporâneo - há uma seriedade, uma resistência, um método, e tudo isso cria uma couraça estética absolutamente sem igual, em cada um de seus livros [talvez
Slow man seja mais frouxo nesse sentido, mas isso ainda precisa ser melhor pensado]. Vejamos
Disgrace, por exemplo: uma frase de Sófocles [do coro de
Édipo rei] aparece já no início, na terceira página, décimo parágrafo, como a antecipação de tudo que ainda virá -
nenhum homem é feliz, até morrer [a tradução brasileira não coloca a vírgula, deixando a frase, tão densa de significados e tão importante para a totalidade do romance, com uma ambiguidade ridícula - nenhum homem é feliz até morrer? Ou seja, ele tem alguns momentos de infelicidade aqui e ali? É impossível ser feliz o tempo inteiro?]. E
Disgrace explora também um sentido arcaico da tragédia: sua ligação com o corpo, a dança, a orgia e o ritual -
a etimologia da palavra "tragédia" é, claro, controversa, mas nas duas acepções mais aceitas [e antitéticas] há sempre o corpo e a violência sobre o corpo, seja o corpo do homem, seja o corpo do animal [
tràgos, bode;
odía, canto]. Mas isso basta para encadear as imagens mais poderosas de
Disgrace: as cores dos corpos, o corpo em chamas [as chamas metafóricas do sexo; as chamas reais da violência], a morte dos cães, a morte dos homens.
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Essa frase do Sófocles era uma espécie de tópica entre os gregos -- está, por exemplo, em Heródoto, na história da Creso.
ResponderExcluirCoetzee é quem explora melhor, entre os contemporâneos, o trágico. Estou contigo. Nooteboom faz isso bem em Dia de Finados, mas o encanto do livro está em não levar isso tudo muito a sério. "E nós? Ah nós...".
Roth também tem essa pretensão, mas acho que ele não conseguiu chegar lá -- mas continua tentando. Talvez ele tenha se aproximado disso, do padrão Coetzee, em A Marca Humana. Mas ele é melhor quando vai no baixo. Mickey Sabbath não é uma espécie de asno Lúcio?
Acho que porque a morte era a única forma de atingir a Vida Ideal, não? A ideia perfeita de vida só podia ser alcançada quando a vida já não mais existia.
ResponderExcluirÉ, eu acho Coetzee imbatível nesse quesito: não adianta, ele foi "tocado", ele sabe como fazer - ao contrário do Roth, que, realmente, só tenta, e só raramente consegue [Marca Humana, sem dúvida, e tb Pastoral].
No Brasil, curiosamente, encontro um dos exemplos mais fortes dessa sobrevivência contemporânea da tragédia: Lavoura Arcaica. Como vc falou lá no IMS: é muito mais do que literatura brasileira, é Literatura.