sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Diante do fracasso (1)

1) Grandes mentes frequentemente ficam paralisadas, ou atemorizadas, ou hesitantes diante da envergadura de certos projetos que eles próprios concebem; não porque não acreditam na possibilidade de realização, mas por conta de um desejo de rigor e completude que parece exigir mais tempo do que o tempo de uma vida. No epílogo que encerra Mimesis, Auerbach afirma que só pôde escrevê-lo (só se permitiu escrevê-lo) porque estava exilado na Turquia, distante das referências e dos arquivos costumeiros.
2) Paul Valéry, no entanto, nunca concluiu sua Comédia intelectual (sua história literária sem nomes próprios), afundando-se em seus Cahiers, centenas e centenas de páginas acumuladas ao longo de anos, uma verborrágica não-obra, totalitária em sua aglutinação de tempos e gêneros - os cadernos labirínticos de Valéry, assim como o Museo de Macedonio, fazem a glosa de um desejo negativo, lacunar, vazio, informe. Os cadernos de Dostoievski, por outro lado, indicam que Os irmãos Karamazov e Os demônios, não obstante seus desencorajantes tamanhos, são apenas fragmentos de um projeto muito mais amplo e ambicioso, intitulado A vida de um grande pecador, e jamais concluído.

3 comentários:

  1. Kelvin, comprei um livro póstumo de contos do Bolaño, el secreto del mal, no qual ele não só esboça um arco como esse megalomaníaco, do qual derivariam romances futuros como, no último conto, dá um fim pro A. Belano.

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  2. "El secreto del mal" é um baita livro. É possível não gostar do jeito interrompido de alguns contos, mas eu gosto muito de todo o livro, funciona para mim como uma espécie de laboratório retrospectivo do restante da obra, um inventário de imagens e motivos que retornam:

    1) Lembro que há um aviador misterioso no primeiro conto, um vizinho que faz sexo com a esposa - lembra Carlos Ramirez, de "Estrela distante". Bolaño fala de uma sensação de "sadomasoquismo" por parte dos vizinhos.

    2) Esse livro tem um dos contos mais exaustivos e bem-acabados de Bolaño, que é "Laberinto", em que ele faz a ekphrasis de uma foto que reúne intelectuais franceses - é magistral.

    3) A questão da imagem é um nó tenso nesse livro: além de "Laberinto", há aquele conto que é apenas o relato de um argumento cinematográfico: "El hijo del coronel" - completamente delirante, absurdo.

    O Bolaño trabalhava na urgência, parece que pensava as histórias enquanto escrevia - por isso esses esboços tão densos, que, no cerne, não diferem em nada dos dois calhamaços.

    Esse último conto que vc comentou é triste: é quase wishful thinking em sua projeção para o futuro ("2005"), quando ele sabia que morreria em breve. Lembra a frase final do 2666, vc não acha? O pai fazendo as malas e indo atrás do filho - o escritor que nunca deixa de se movimentar.

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  3. Não sei se pela seleção que o Ignacio Echevarría fez, mas existem varias pontas soltas e recorrências ali. Estou lendo direitinho, depois vejo se faço um inventário desses paralelismos e ressonâncias. abraço.

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