segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Nota sobre os tigres e as pedras

A poética insistência de Borges com os tigres: na infância pratiquei com fervor a adoração do tigre, escreve ele em um dos fragmentos do livro O fazedor. O tigre é apenas mais um avatar de sua supersticiosa ética da leitura - uma leitura mística do mundo, que procura as relações obscuras e demoníacas entre os nomes, objetos, épocas e textos (demoníaco porque é da ordem do segredo e da profanação). Leitura mística como a do velho Wenzel, o joalheiro de Leskov, que lê nas comissuras secretas das pedras preciosas a revelação de um mundo suplementar, feito de analogias e assinaturas. Um homem que lê seu passado, seu presente e seu futuro nas manchas do dorso de um tigre (ou nas linhas arcaicas que marcam o casco de uma tartaruga; ou no arranjo que organiza centenas de milhares de livros no interior de uma biblioteca imaginária). E aquele homem que Leskov conheceu em Praga em 1884, aquele velho judeu que lia o tempo sem memória da natureza no brilho de uma pedra, aquele homem poderia muito bem ser uma criação da mente de Borges - um precursor que se ilumina assim, retrospectivamente, anacronicamente.   

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