Eugène Atget, "Rue du Maure", 1908 |
2) O movimento que Chklóvski exalta em Dostoiévski é de uma natureza similar àquele que faz Flaubert em direção à estupidez - a bêtise e as ideias feitas do dicionário de Bouvard e Pecuchet. Na ponta do iceberg da estultícia burguesa estava a linguagem jornalística, seus cacoetes, preconceitos e limitações. Por isso que Flaubert foi do fait divers ao romance: assim como Dostoiévski, uma matéria-prima impura e de origem duvidosa (um gesto que Roland Barthes repetiria, cem anos depois e no campo da crítica literária, com seu livro Mitologias).
3) Não é por acaso que um leitor da envergadura de J. M. Coetzee escolha justamente a "ficção de detetive" como o fio condutor de seu livro sobre Dostoiévski. A obra de Coetzee mostra claramente sua atenção aos detalhes negligenciados e às lacunas da historiografia tradicional (especialmente em Foe e Michael K.). Todas as notas fortes da poética de Dostoiévski estão em O mestre de Petersburgo - a religiosidade atormentada (e o êxtase epilético que a suplementa), o anarquismo, a culpa e a agonia existencial -, mas o fio condutor é justamente o crime, a morte do afilhado (e o crime ligado à cidade, à modernização dos espaços, ao embaralhamento das subjetividades na multidão - tudo aquilo que liga Baudelaire à poética detetivesca de Poe, por exemplo, e a leitura que Benjamin faz da modernidade como cena do crime a partir não só de Baudelaire, Poe, Eugène Sue e Balzac, mas especialmente a partir das fotografias de Eugène Atget). O procedimento (crime, corpo, multidão, cidade, paranoia) se atualiza também em O filho da mãe, de Bernardo Carvalho, que se passa em São Petersburgo.
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