sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Pessoas, perspectiva, etc

1) Meyer Schapiro, ao comentar essa pintura de Seurat, chama a atenção para a perspectiva truncada, equivocada, deliberadamente atropelada. Como se cada uma das figuras pertencesse a um espaço próprio, recortadas e montadas sem maior atenção ao ajuste. Cada figura traz consigo seu próprio espaço original, sem, com isso, deixar de ocupar o mesmo lugar que todas as outras. Claude Lévi-Strauss, no livro Olhar, escutar, ler, aproxima essa técnica de Seurat ao procedimento de Proust na Recherche - ou seja, também Proust posicionou suas figuras sem maiores preocupações com o ajuste da perspectiva. E isso em vários níveis, continua Lévi-Strauss: no encadeamento das cenas, na idade dos personagens e, principalmente, nas figuras "reais" que teriam inspirado as figuras proustianas - e quando digo figura, digo de propósito, porque essas pessoas em Proust são de fato essas partículas altamente condensadas de impurezas históricas, essa inelutável porosidade do ser, como escreve Beckett na monografia que escreve sobre Proust.
2) Proust compõe a sonata de Vinteuil e sua "pequena frase" a partir de impressões sentidas ao escutar Schubert, Wagner, Franck, Saint-Saens, Fauré. Quando descreve a pintura de Elstir, nunca se sabe se pensa em Manet, em Monet ou ainda em Patinir. Mesma incerteza temos quanto à identidade dos escritores reunidos na personagem de Bergotte, escreve Lévi-Strauss.
3) Essa falta deliberada contra a perspectiva é também o procedimento por trás de, por exemplo, Bartleby e companhia, de Enrique Vila-Matas, que aglomera figuras díspares, reunidas em um mesmo espaço mas que levam consigo, irremediavelmente, seus próprios espaços. Esse contato gera faíscas, pois nunca imaginaríamos Salinger andando de ônibus, ou Saramago vagando pelas ruas atrás de Paranoico Perez para roubar suas ideias. Esse espaço comum poderia ser o inferno, como aquele espaço enigmático que descobrimos em Pedro Páramo.
4) Borges, Calvino e Nabokov se encontram no céu - assim começa o conto "No céu", de Luis Fernando Verissimo. Estão falando sobre sexo. Estão discutindo qual seria o trecho mais erótico da literatura universal. Borges comenta que a frase mais sensual que jamais ouvira era de uma poesia curda. Verissimo escreve uma frase que parece ter sido um escorregão, uma tirada involuntária (e digo isso porque ela não é levada adiante, como ele costuma fazer, e também porque ele tem uma admiração religiosa e cheia de dedos para com Borges), Verissimo escreve: Calvino e Nabokov sorriram um para o outro sem que Borges os visse (grifo nosso). Era típico de Borges, escolher logo uma poesia curda, escreve o narrador. Vamos lá, como é a frase?, pergunta Nabokov. Kodem tzamas dosmas dur badram, recitou Borges. Ficaram esperando a tradução, mas Borges revelou que não tinha a menor ideia do que significava. Apenas tivera uma ereção ao lê-la.

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