1) No conto "Ficção" - incluído em Felicidade demais, editado aqui pela Companhia das Letras -, Alice Munro oferece sua estupenda contribuição ao gênero já cansado da metaficção. A metaficção é como aquelas prostitutas de que falava Walter Benjamin na Rua de mão única: não há nada lá; nós que fazemos questão de levar os segredos, o mistério, a excitação. "Ficção", o conto, leva o nome que leva porque, lá pelas tantas, a protagonista descobre um trecho muito específico de sua vida retratado em um dos contos de uma jovem escritora canadense. Chama-se "Ficção" também porque, no fim, ela pensa - ou a narradora nos oferece esse recorte de pensamento - consigo mesma: isto podia até virar uma história de humor que um dia ela poderia vir a contar.
2) O conto começa como muitos outros contos de Munro: um momento rotineiro visto muito de perto, que pouco ou nada servirá para o andamento da história. É uma pista falsa, como uma mulher satisfeita que vai lhe mostrando os cômodos de sua casa e, quando chegamos ao fim, já não importa aquela samambaia no canto da sala, e sim essa pequena surpresa que nos aguarda no interior da última gaveta do último quarto. Os contos de Munro funcionam como uma estratégia histérica de sedução: se você prensar um detalhe contra a parede, ele, no momento derradeiro, na hora H, negará qualquer participação, qualquer responsabilidade diante de sua interpretação (Freud: "o histérico sofre de reminiscências").
3) Talvez a parte mais ficcional de "Ficção" seja o início da segunda parte: Joyce já está separada do primeiro marido há anos - e ele parecia tão próximo, tão incontornável na primeira parte do conto, tão fundamental para a vida de Joyce e esse corte abrupto é um dos grandes feitos de "Ficção", porque só na ficção (ou assim aprendemos a ver) é possível colar dois blocos tão heterogêneos da "vida" -, e está na festa de seu segundo marido, Matt. Matt está completando sessenta anos e Joyce é sua terceira esposa. As duas esposas anteriores estão na festa, bem como todos os filhos que Matt teve com elas, os filhos dos filhos, o filho da segunda esposa de um dos filhos de Matt, que separou e casou novamente, um dos filhos, inclusive, vai com o namorado e uma das ex-esposas de um dos filhos também vai com a namorada. Tudo que parecia definitivo na primeira parte é, agora, posto em perspectiva: duas páginas de uma listagem complicada de maridos, esposas e agregados bastam para ver que a chamada "vida", tão celebrada, manuseada com tanto cuidado, é, na realidade (ou na ficção que a atualiza), uma bela de uma bagunça, um saco de gatos pedindo uma montagem que lhe dê sentido, ou que lhe dê, pelo menos, um pouco de graça.
2) O conto começa como muitos outros contos de Munro: um momento rotineiro visto muito de perto, que pouco ou nada servirá para o andamento da história. É uma pista falsa, como uma mulher satisfeita que vai lhe mostrando os cômodos de sua casa e, quando chegamos ao fim, já não importa aquela samambaia no canto da sala, e sim essa pequena surpresa que nos aguarda no interior da última gaveta do último quarto. Os contos de Munro funcionam como uma estratégia histérica de sedução: se você prensar um detalhe contra a parede, ele, no momento derradeiro, na hora H, negará qualquer participação, qualquer responsabilidade diante de sua interpretação (Freud: "o histérico sofre de reminiscências").
3) Talvez a parte mais ficcional de "Ficção" seja o início da segunda parte: Joyce já está separada do primeiro marido há anos - e ele parecia tão próximo, tão incontornável na primeira parte do conto, tão fundamental para a vida de Joyce e esse corte abrupto é um dos grandes feitos de "Ficção", porque só na ficção (ou assim aprendemos a ver) é possível colar dois blocos tão heterogêneos da "vida" -, e está na festa de seu segundo marido, Matt. Matt está completando sessenta anos e Joyce é sua terceira esposa. As duas esposas anteriores estão na festa, bem como todos os filhos que Matt teve com elas, os filhos dos filhos, o filho da segunda esposa de um dos filhos de Matt, que separou e casou novamente, um dos filhos, inclusive, vai com o namorado e uma das ex-esposas de um dos filhos também vai com a namorada. Tudo que parecia definitivo na primeira parte é, agora, posto em perspectiva: duas páginas de uma listagem complicada de maridos, esposas e agregados bastam para ver que a chamada "vida", tão celebrada, manuseada com tanto cuidado, é, na realidade (ou na ficção que a atualiza), uma bela de uma bagunça, um saco de gatos pedindo uma montagem que lhe dê sentido, ou que lhe dê, pelo menos, um pouco de graça.
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