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No fim de julho de 1939, Walter Benjamin escreve a Gretel Adorno, mulher de Theodor Adorno, dando notícias sobre os ajustes finais em seu trabalho sobre Charles Baudelaire. Uma passagem específica da carta não é só irônica e humorística como também revela até que ponto o pensamento de Benjamin considerava a vida humana, e a vida social de forma específica, como um decalque de suas próprias construções metafísicas e teológicas. “Estou permitindo que meu cristão Baudelaire seja levado aos céus por nada menos que anjos judaicos. Providências já foram tomadas, contudo, para que no último terço da ascensão, imediatamente antes da entrada na glória, eles o deixem cair – como por acidente” - Benjamin, o teólogo judaico, levado adiante por companheiros cristãos (gentios, comunistas) durante a árdua jornada pelos Pirineus, em setembro do ano seguinte, no último terço da fuga encontra a fronteira fechada e comete suicídio, se deixa cair, como por acidente (e como acidente ficou registrado: o médico em Port Bou não assinala o suicídio para que Benjamin pudesse ser enterrado, como por acidente, no cemitério cristão da cidade fronteiriça).
Um ano antes do suicídio, um mês depois de escrever a carta para Gretel, em setembro de 1939, Benjamin é mandado para uma temporada de dois meses de trabalhos forçados: os homens entre 18 e 49 anos são convocados e reunidos em um estádio em Paris, passando em seguida por uma seleção e uma divisão e enviados aos camps des travailleurs volontaires, que de voluntários não tinha absolutamente nada. Foram dez dias no estádio, comendo apenas fatias de pão com uma tênue camada de patê de fígado rançoso. Os detentos tiveram que cavar latrinas e não havia cobertura suficiente para todos; eles tiveram autorização para levar apenas um cobertor de casa. Muitos ficaram ao relento, entre eles Walter Benjamin, que tinha 47 anos e problemas cardíacos. Mas o pior ainda estava por vir. Depois dos dez dias iniciais, o grupo de Benjamin (um total de 300 homens) foi designado para trabalhar na área do castelo abandonado de Vernuche, na região de Nevers. O primeiro trecho foi feito no trem; o último terço foi com marcha forçada, levando o coração de Benjamin ao limite, que, após a chegada, ficou prostrado durante dias. Benjamin foi cuidado e protegido por alguns jovens intelectuais que também estavam entre os 300 de Nevers, Max Aron e Hermann Kersten entre eles. Pelo meio de outubro Benjamin já estava recuperado. Jogava xadrez, organizava leituras e seminários, recebia cigarros e chocolates de suas amigas Sylvia Beach e Helen Hessel, tudo isso dentro do campo de detenção, que foi transformado por um curioso sentimento de companheirismo por parte dos 300 de Nevers. Uma das leituras feitas por Benjamin aos colegas de campo foi sobre o conceito de culpa. Estimulado pela vida comunitária, Benjamin propõe aos companheiros a criação de um periódico: o Bulletin de Vernuche: Journal des Travailleurs du 54e Régiment. A ideia animou a todos e Benjamin reuniu um time de escritores e editores de primeiríssimo padrão. Os esboços para a primeira edição, que estão hoje arquivados na Academia de Arte de Berlim, incluem estudos sociológicos acerca da vida no campo, críticas de eventos artísticos do campo (corais, teatro amador, etc) e um estudo sobre os hábitos de leitura dos detentos. O periódico, infelizmente, nunca chegou ao papel. Em 20 de novembro de 1939 a soltura de Benjamin já estava assinada e no dia 25 ele já estava em Paris. Foi a experiência de Benjamin mais próxima à vida em um kibutz, a despeito das tentativas de Gershom Scholem de o levar para a Palestina durante a ascensão de Hitler.
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o blog continua sensacional, mas por que as letras ficaram tão pequeninas?
ResponderExcluirRapaz, não faço a menor ideia. Só este último post ou todos os outros aparecem com fonte pequena pra ti? A configuração muda de uma hora pra outra.
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