segunda-feira, 26 de julho de 2010

Escarafunchando Bolaño

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Philippe Lacoue-Labarthe afirma que, na esteira da interpretação nietzschiana da história, o poeta é um modelo e um exemplo. Ou, atualizando a terminologia, uma figura, uma Gestalt. Essa Gestalt pode ter inúmeras feições: Zaratustra, Moby Dick, o Anjo, o Animal, o Inumano.
A figura, para cada poema, é o modo de apresentação e de articulação entre sua construção e aquilo que enuncia. A Gestalt é, portanto, uma triangulação de temporalidades, reunindo a intuição que rege a montagem, a forma e o conteúdo.
A idéia de montagem (de escolha) é importante porque toda figura (Gestalt) leva a uma configuração (Gestaltung), que é sempre técnica e procedimento.
Lacoue-Labarthe diz que a Gestalt sempre remete ao mito – um mítico que não é mitológico, simples organização estereotipada dos elementos, e sim um mítico que é Gestalt da própria vida, que se funda na matriz da linguagem.
Só a partir desse cenário é possível conferir algum sentido à passagem de Estrela distante em que Roberto Bolaño, depois de contar a história do exílio e do assassinato do poeta Diego Soto e a história do triunfo de Lorenzo, artista que, além de chileno, era homossexual e não tinha os dois braços, escreve que a única coisa que parecia unir os dois homens era a leitura de um mesmo livro, que Bolaño cita a partir do título em francês: Ma gestalt-thérapie, do psiquiatra Frederick Perls.
Bolaño, sem fazer qualquer consideração sobre o livro ou indicar as razões pelas quais tanto Soto quanto Lorenzo o leram, encerra o capítulo dizendo que não há tradução na Espanha do livro do doutor Perls. No Brasil o livro recebeu o título esdrúxulo de Escarafunchando Fritz.
O máximo que se pode dizer é que tanto Soto quanto Lorenzo estavam empenhados no permanente processo de, simultaneamente, pertencer e afastar-se, estar na poesia e estar fora dela, estar no Chile e estar no exílio, construir figura de si tendo como fundo o vazio, construir Gestalt do mundo e, no percurso, esquecer de si.
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