Uma das missões de Giambattista Vico – pensador da arte do século XVIII e herói intelectual de, entre outros, Edward Said – era descascar a história até encontrar aquele que chamava o “verdadeiro Homero”, uma figura que pudesse desmontar o sistema representativo-idealista-aristotélico. Para Vico, os sentidos ocultos da fabulação poética eram sempre enxertados a posteriori – sua hermenêutica, portanto, está sempre atenta às condições de produção do poema e a relação do contexto com a forma e o conteúdo. Homero, a partir disso, não é um inventor de fábulas – ele não conhecia nossa diferença entre ficção e história. Suas supostas fábulas, para ela, eram a história, que ele transmitira tal como recebera. Homero também não é inventor de belas metáforas e imagens brilhantes – simplesmente vivia num tempo em que o pensamento não se separava da imagem, nem o abstrato do concreto. Suas metáforas e imagens são a linguagem da rua de seu tempo (como O idioma dos argentinos e Evaristo Carriego, de Borges). Ele também não é o inventor de ritmos e metros – é apenas testemunha de um estado da linguagem em que a palavra era idêntica ao canto. Tudo que foi determinado ao poeta-inventor pela tradição aristotélica como privilégios transforma-se, com Vico, em propriedade da linguagem e elementos que testemunham um estado de in-fância da linguagem, do pensamento e da humanidade. Uma linguagem que é de cada um na medida em que não pertence a ninguém. O fato poético está ligado a essa identidade de contrário, a essa distância entre uma palavra e aquilo que ela diz. O movimento de Vico com Homero é o mesmo de Freud com Édipo (com a diferença que esse é arquiconhecido).
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