domingo, 28 de fevereiro de 2010

Marías & Vila-Matas

*
Interessantes analogias entre Enrique Vila-Matas e Javier Marías, especificamente no que diz respeito ao procedimento de glosar a própria obra - produzir ficção à sombra da ficção feita previamente.
*
O caso se apresenta, em Vila-Matas, com Bartleby e, depois, Montano. O primeiro trata da falta, o segundo trata do excesso. Depois de pensar sobre os escritores que haviam largado a literatura, o pânico tomou conta do autor e ele foi ao extremo oposto: o mal de Montano, o homem que só fala com citações, que só pensa em literatura, que ficcionaliza a própria história, que escreve sua biografia nos textos que lê. Montano inclusive escreveu um livro sobre escritores que abandonaram a escrita, e daí decorre todo seu mal.
*
Marías é mais clássico, prolixo e com pretensões de Academia (não academia de doutorado, mestrado, mas Academia Espanhola, cânone, manual de língua). Escreve Todas las almas, sobre o tempo que passou em Oxford na década de 80. Depois de muito se divertir com os comentários que gera a confusão entre vida e obra, decide escrever um acréscimo, uma explicação (pli: dobra, ele desdobra a própria ficção para descobrir o que está do outro lado). O acréscimo é Negra espalda del tiempo, no qual ele procura dizer quem é quem no primeiro livro e quem é quem na vida real.
*
Desnecessário dizer que gosto muito mais do desenvolvimento do Vila-Matas, muito mais rico em possibilidades críticas. Vale dizer que as autoreferencialidades dos dois autores são completamente diferentes, ainda que se assemelhem num ponto simples: um cuidado de si, um cuidado com a própria obra, uma tentativa curiosa de administrar o próprio destino - o que é bastante ingênuo se atentarmos para a quantidade de leituras que ambos fazem questão de alardear.
*

Um comentário:

  1. Ando gostando mais do Javier Marías. Não li Todas las Almas e abandonei Negra Espalda quando percebi que precisava ter lido o Todas Las Almas.

    Nesses pontos que tu aponta (ui, trocadilho) eu concordo, as possibilidades de investigação crítica no Vila-Matas são maiores.

    Marías, porém, é um homem de sintaxe. Corazón tan Blanco impacta pelas frases infinitas, pelo esmiuçamento. Tu Rostro Mañana segue a mesma linha, deixa tonto com suas espirais de pensamento.

    Penso Marías como um formalista - e não vejo nisso pretensão de cânone.

    É bom esse Marías.

    ResponderExcluir