2) O estoico, na acepção de Kenner, é aquele que reconhece que o campo de possibilidades disponível (para a arte, a linguagem ou a vida) é limitado - precisamente como a caixa de tipos móveis do impressor da época de Gutenberg; ou a "caixa tipográfica das coisas esquecidas" de que fala Sebald em Austerlitz. O estoico está, de certa forma, imune às surpresas, por mais que não saiba de antemão a totalidade dos resultados possíveis - isso porque parte do princípio da limitação material dos recursos disponíveis a sua arte. Os três autores definidos como "comediantes estoicos" - Flaubert, Joyce e Beckett - exploram com "humor" essa condição ambivalente da arte: falar de si continuamente, impelida adiante por uma consciência de suas próprias limitações, desconfiada das próprias pretensões e possibilidades, sem que possa voltar atrás em seu "compromisso" produtivo.
3) Kenner fala de Flaubert como o "comediante do Esclarecimento", do "Iluminismo", da Aufklärung, que toma como "compromisso produtivo" a categorização dos insanos empreendimentos intelectuais das sociedades ocidentais; Joyce, por sua vez, é definido por Kenner como o "comediante do Inventário", cujo compromisso está ligado às listas, às correspondências e ao rigor "estrutural" no romance (um estilo, um órgão, uma cor, um alimento, uma figura mitológica...); Beckett, por fim, é o "comediante do Impasse", o produtor das vias sem saída, que vai pouco a pouco descarnando o relato (sobre Esperando Godot, que estreou em 1953, um crítico da época escreveu: “Nada acontece, duas vezes!”).
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