2) Os instrumentos tradicionais da crítica literária, escreve Barthes, são o microscópio e o telescópio - o primeiro dá acesso ao detalhe filológico, às minúcias "autobiográficas ou psicológicas"; o segundo dá acesso ao grande espaço histórico que circunda o autor. Barthes não utiliza nem um, nem outro: seu interesse reside em "filmar em câmera lenta a leitura de Sarrasine", um pouco como as "primeiras proezas da câmara", capaz de "decompor o trote de um cavalo" (referência aos experimentos de Eadweard Muybridge). Leitura em câmera lenta: Barthes está interessado no processo de criação do texto que se dá na dimensão da leitura, e não da escritura; valoriza não o autor, tampouco o leitor, mas a leitura, ou seja, o jogo conduzido a partir "de certas regras", um jogo que não é distração, e sim "trabalho": "ler é fazer o nosso corpo trabalhar".
3) O modelo de explicação que privilegia o autor encaminha a análise em direção a um centro fixo, uma autoridade; o sistema operativo da leitura, por outro lado, "dispersa, dissemina", enfatizando a "energia digressiva" do texto. A "verdade" da leitura, escreve Barthes, não é nem objetiva, nem subjetiva, ela é "lúdica", começa e recomeça toda vez que os signos são mobilizados em ordens diversas, em momentos diversos, em combinações diversas. É interessante notar como Paul Valéry surge rapidamente como "profeta" do texto-leitura: "certos autores" nos advertiram, escreve Barthes (mencionando Valéry entre parênteses), que "éramos livres" para seus textos, mas "percebemos mal, ainda, até que ponto a lógica da leitura é diferente das regras da composição". Corolário: é preciso reler Valéry e, ao mesmo tempo, construir uma "lógica" crítica que acompanhe a dinâmica da leitura, e não as "regras da composição" que regem a autoria.
Adorei!❤
ResponderExcluirObrigado!
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