1) A imagem da pessoa que oferece uma leitura ou interpretação, um pouco de si que encontrou em um texto literário (ou uma imagem, um filme, uma canção): essa é a tônica que marca a produção de Auster. E, depois do encontro, há sempre a tentativa de expressar esse contato em palavras, de comunicar, ainda que de forma falha e breve, esse contato transformador. Mais do que o resultado, importa o gesto de captura dos elementos. Mais do que a imagem final, importa a montagem que se faz daquilo que se separa, pois é aí que se revela a subjetividade, a individualidade.
2) Na Trilogia de Nova York (1985, 86, 87), há um homem que passeia pelas ruas e o trajeto de seu corpo forma letras no mapa da cidade, e o detetive que o segue, depois de dias pensando sobre a aparente falta de sentido desse trajeto, descobre que há, ali, naquele aparente descaso, uma mensagem que lhe diz respeito diretamente. Em O livro das ilusões (2002), um homem desesperado encontra um futuro para si ao tentar elucidar os mistérios da vida de um ator cômico do cinema mudo - e assiste seus filmes incontáveis vezes, até que o filme lhe fale alguma coisa, até que alguma mensagem possa ser extraída daquilo que, inicialmente, era uma estranheza.
3) Calvino, nas Cidades invisíveis (1972), na primeira seção da rubrica "As cidades e os signos" (dedicada à cidade de Tamara), fala de como o olhar percorre as ruas como "páginas escritas". Escreve ainda que a cidade diz ao viajante tudo que ele deve pensar, o faz repetir seu próprio discurso (a aparência da liberdade é, na verdade, a evidência do controle, como mostrará também Michel Foucault na História da sexualidade a partir de 1976 - La Volonté de savoir (1976) L'Usage des plaisirs (1984) Le Souci de soi (1984) Les Aveux de la chair (2018, póstumo)).
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