2) Montaigne, contudo, não tinha interesse em tornar visível essa estratificação, escreve Greenblatt, um efeito de homogeneidade que era intensificado pelo fato do livro ter sido impresso originalmente sem quebra de parágrafo. A segunda edição, de 1588, tem 13 novos capítulos no Livro I e cerca de 600 alterações nos livros Livros I e II, fazendo dos Ensaios um texto em aberto "no qual a passagem do tempo se faz presente", como escreve Greenblatt. Da mesma forma que não se preocupava em identificar o que veio antes e o que veio depois, Montaigne também não tinha interesse em demarcar com clareza o que era contradição e o que era desdobramento lógico de uma ideia anterior - os registros estão deliberadamente atravessados.
3) Os primeiros leitores de Montaigne (incluindo Shakespeare) entram em contato, portanto, com "um único eu que contém multidões", escreve Greenblatt, fazendo de Montaigne uma sorte de precursor de Walt Whitman. Greenblatt fala dos Ensaios como um espaço no qual "vozes muito diferentes" lutam por atenção, mais uma vez de forma estratificada e tensionada, antecipando com isso também a discussão de Bakhtin a partir de Dostoiévski (dialogismo, polifonia, distintos registros linguísticos compartilhando uma mesma página) e, até certo ponto, a dinâmica heteronímica de Fernando Pessoa (a leitura que Greenblatt propõe do Montaigne traduzido ao inglês na época de Shakespeare permite revisitar textos e autores posteriores por outra perspectiva, a partir de um conjunto alternativo de questões e coordenadas espaciais e temporais).
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