domingo, 4 de julho de 2021

O abismo


1) Em seu livro de 1984, O anel de Clarisse (dedicado ao niilismo na literatura moderna), Claudio Magris se dedica a comentar autores como Ibsen, Franz Blei, Walser, Rilke, Svevo e Elias Canetti. Ao falar de Robert Walser, Magris fala das "regiões inferiores" visitadas por sua ficção: um "vazio sem fim" é encontrado em toda parte, tanto na paisagem quanto na subjetividade, nos espaços externos visitados pelo narrador (os vales vistos do alto, a vastidão do céu) e nos espaços internos carregados de angústia que nenhuma atividade consegue dar conta (por isso as mudanças de profissão e de cidade, por isso as relações sempre postiças, vagas, incertas). 

2) Magris resgata a passagem em O ajudante - romance publicado por Walser em 1908 - na qual Joseph Marti vai passear com a família Tobler no lago: o abismo canta, mas com sons "que nenhum ouvido consegue distinguir". Eis a síntese de uma literatura que recusa todo esforço de totalização que se lança em sua direção - mesmo a "obra" é um abismo que não tem fim, repercutindo no tempo e no espaço muito depois da morte do autor Walser (é por isso que em determinado momento Magris fala de Walser como "escritor pós-moderno" que refuta toda "síntese de suas contradições"; Walser é o escritor do intervalo e da pausa, do "não-dito" e do "não-revelado"). 

3) Frequentemente não são as palavras que "dizem" em Walser, mas o arranjo um pouco aleatório dos objetos: "Simon começou a se instalar no campo. Suas malas chegaram depois, pelo correio, ao que ele, então, desempacotou suas coisas. Já não tinha muitas - dois ou três livros velhos que não quisera vender ou dar, roupa de baixo, um terno preto e um amontoado de miudezas, como barbantes, retalhos de seda, gravatas, cadarços, tocos de vela, botões e pedaços de linha. (Robert Walser, Os irmãos Tanner, trad. Sergio Tellaroli, Cia das Letras, 2017, p. 118).

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