"Macedonio Fernández é a antítese de Sarmiento. Inverte todos os pressupostos, ou melhor, inverte os pressupostos que definem a narrativa argentina desde sua origem. Une política e ficção, não as confronta como duas práticas irredutíveis. O romance mantém relações cifradas com as maquinações do poder, as reproduz, usa suas formas, constrói sua contrafigura utópica. Por isso, no Museo de la novela de la Eterna, há um presidente no centro da ficção. O presidente como romancista, outra vez o narrador da tribo no lugar do poder. A utopia do estado futuro se funda agora na ficção e não contra ela. Porque há romance há estado. É o que diz Macedonio. Ou melhor, porque há romance (ou seja, intriga, crença, bovarismo), pode haver estado. Estado e romance nascem juntos? Em Macedonio, a teoria do romance faz parte da teoria do estado, foram elaboradas simultaneamente, são intercambiáveis" (Ricardo Piglia, "Ficção e política na literatura argentina" (abril de 1987), O laboratório do escritor, trad. Josely Vianna Baptista, Iluminuras, 1994, p. 92).
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Em seguida, Piglia ainda comenta o trabalho preparatório de Macedonio com o Museo, um romance sem forma definida, não-acabado: uma versão possível publicada postumamente, ainda que antecipada em diferentes momentos, "escrito e adiado entre 1904 e 1952", anunciado, adiado, conhecido no boca-a-boca, um "livro interminável" que "anuncia o romance futuro, a ficção do porvir" (comentário próximo daquele de Benjamin em seu ensaio sobre Proust, quando diz que toda grande obra ou inaugura ou ultrapassa um gênero - a lição de Macedonio pode ser observada também na estratégia de Piglia com relação ao próprio diário, também um livro interminável trabalhado ao longo da vida, anunciado, adiado, uma ficção do porvir que se alimenta da reconstrução do passado: em 18 de dezembro de 1975, por exemplo, dentro do próprio diário, Piglia anuncia que, "na reportagem do El Cronista" (por conta do lançamento de Nome falso), ele fala do diário "pela primeira vez em público": agora que o divulguei, "seria bom que eu finalmente começasse a escrever direito aqui", finaliza Piglia).
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