2) De forma bem mais linear (e "cartesiana", para usar um dos personagens centrais do romance de Piglia), Martín Kohan, logo no início de Dos veces junio, apresenta também a questão dos resíduos textuais de terceiros: um "caderno de notas" está aberto, "no meio da mesa"; ao lado do caderno está a caneta utilizada para escrever a única frase à vista: a partir de que idade se pode começar a torturar uma criança? O narrador sente o impulso de corrigir uma falha ortográfica na escrita - diz que não suporta esse tipo de falha e com isso ressalta que o diferencial da violência ditatorial é sua capacidade de esquecer o conteúdo (o teor monstruoso da frase) e se dedicar exclusivamente à forma (das leis e das regras; o superior do soldado-narrador, o Dr. Mesiano, dirá mais adiante: Lo importante era llevar un ritmo metódico, porque en la vida, según decía el doctor Mesiano, todo es cuestión de método).
3) "Deixo o tempo correr, leio ao acaso. Também me dedico ao livro da Ludmer sobre Onetti, que estou lendo com muito interesse. Bom começo, os dois primeiros capítulos com excelentes arremates sobre o corte e o início da narrativa, ao mesmo tempo há como que uma superinterpretação, que faz pensar nos excessos de uma crítica que acrescenta significados próprios e que pode ser lida como a autobiografia do próprio crítico, que sem saber escreve sobre si mesmo" (Ricardo Piglia, Os anos felizes: diários, volume 2, trad. Sérgio Molina, Todavia, 2019, p. 439, 2 de dezembro de 1975).
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